Nas entrelinhas: A orquestra do Titanic

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A “grande política” virou um caso de polícia, o que transformou o Ministério Público e o juiz Sérgio Moro, da Vara Federal de Curitiba, em grandes protagonistas da crise

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo Tribunal federal (STF) a prisão do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), do senador Romero Jucá (PMDB-RR) e do ex-presidente José Sarney (PMDB-MA), além do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por tentativa de obstrução da Operação Lava-Jato. O pedido está em mãos do ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, relator do caso, desde a semana passada. O vazamento do pedido, que está em “segredo de Justiça”, põe a cúpula do Senado na berlinda e deixa o ministro-relator da Operação Lava-Jato na maior saia justa.

A cúpula do PMDB no Senado está como a orquestra de oito músicos do Titanic, que tocou sem parar até o navio afundar. A reação de Renan Calheiros corrobora a analogia. Manteve o Senado funcionando e garantiu a aprovação, por ampla maioria, do nome do novo presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn. Em nota oficial, negou a tentativa de obstruir a Lava-Jato. “O presidente reafirma que não praticou nenhum ato concreto que pudesse ser interpretado como suposta tentativa de obstrução à Justiça, já que nunca agiu, nem agiria, para evitar a aplicação da lei. O senador relembra que já prestou os esclarecimentos que lhe foram demandados e continua com a postura colaborativa para quaisquer novas informações.”

Renan criticou o pedido de prisão apresentado por Janot: “O presidente considera tal iniciativa, com o devido respeito, desarrazoada, desproporcional e abusiva. Todas as instituições estão sujeitas ao sistema de freios e contrapesos e, portanto, ao controle de legalidade. O Senado Federal tem se comportado com a isenção que a crise exige e atento à estabilidade institucional do país”. E invocou “a independência dos Poderes, as garantias individuais e coletivas, a liberdade de expressão e a presunção da inocência”.

O ex-presidente José Sarney também estrilou. “Perplexo, indignado e revoltado”, disse que jamais obstruiu a Justiça. “Sempre a prestigiei e a fortaleci”. E disse que, com 60 anos de vida pública, esperava que “tivesse o respeito de autoridades do porte do procurador-geral da República”. Janot pediu a prisão domiciliar de Sarney, com uso de tornozeleira eletrônica. Já o senador Jucá, que deixou o ministério do Planejamento do governo Temer por causa da Lava-Jato, criticou o que chamou de “vazamento seletivo”.

Impeachment
Ao contrário do que ocorreu na Câmara, onde o pedido de impeachment foi aceito sob a presidência de Eduardo Cunha, o julgamento de Dilma Rousseff no Senado não será presidido por Renan Calheiros, mas pelo presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski. Mas seu eventual afastamento e/ou prisão podem tumultuar ainda mais o processo, seja devido à liderança que exerce na Casa, seja porque seu substituto será o senador petista Jorge Vianna (PT-AC), que articula votos contra o impeachment. A prisão de Renan precisaria de aprovação em plenário do STF e autorização do Senado, mas existe o precedente do afastamento de Cunha, não previsto na Constituição, mas decidido monocraticamente pelo ministro Teori, em caráter excepcional, decisão referendada pela unanimidade dos integrantes do Supremo e invocada por Janot.

A crescente judicialização da política, seja por iniciativa dos partidos, seja por iniciativa de outros atores, foi exacerbada em razão da Operação Lava-Jato. A rigor, a “grande política” virou um caso de polícia nos governos Lula e Dilma, o que transformou o Ministério Público e o juiz Sérgio Moro, da Vara Federal de Curitiba, em grandes protagonistas da crise, diga-se de passagem, com amplo apoio da opinião pública. Ocorre que o Judiciário não tem, por sua natureza, iniciativa política, mesmo que acabe legislando por jurisprudência. Como suas intervenções são sempre provocadas, atua no processo de forma errática e intempestiva, às vezes tumultuando-o ainda mais.

Mas, no Titanic, a música não pode parar.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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