Com a saída de cena de Huck, a deriva do chamado centro democrático aumentou. E assim será, porque Temer e Alckmin têm projetos distintos. Ao menos por enquanto
Luciano Huck anunciou ontem que não será candidato a presidente da República, seu artigo de anticandidato na Folha de S. Paulo, porém, poderia ser um manifesto de candidato antipolítico. Bastaria mudar o final. Mas reflete o que andou dizendo a diversos interlocutores sobre as dúvidas quanto a ser ou não ser candidato. Huck resistiu ao que chamou de canto das sereias, comparando-se a Ulysses na Odisseia. No caso, as sereias eram os amigos do empresário, principalmente o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, não os políticos que lhe ofereceram legenda para disputar o Palácio do Planalto, principalmente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente do PPS, deputado Roberto Freire (SP), legenda com a qual o apresentador da TV Globo mais simpatizava. Estes estavam na deles.
O administrador e conferencista Bruno Scartozzoni, especialista em construção de narrativas e mitologia comparada, foi quem apresentou a interpretação mais diferenciada da “carta” de Huck. Segundo ele, o texto faz parte do roteiro tradicional da “saga do herói”. Representaria, no caso, a “recusa inicial” diante do chamado, temendo não estar “pronto” ou ser “comum demais” para a árdua tarefa. O passo narrativo seguinte, porém, seria a aceitação da missão após a mesma se tornar “impossível de ser recusada”.
Explica Bruno: “Décadas atrás, um cara chamado Joseph Campbell estudou mitologias de diversas sociedades, algumas que nunca se encontraram ou nunca souberam da existência umas das outras, e descobriu algo impressionante. Todas as histórias mitológicas (ou religiosas, dependendo do ponto de vista) já contadas pelo homem seguem o mesmo padrão ou a mesma estrutura narrativa. Ainda que os elementos mudem, a sequência de fatos é extremamente parecida em todas as sociedades. E para essa sequência ele deu no nome de Monomito ou Jornada do Herói.
E continua: “O primeiro passo da Jornada do Herói é justamente alguém comum, que só quer continuar vivendo sua vida, na sua zona de conforto, receber um chamado para uma aventura espetacular. Inicialmente esse alguém rejeita o chamado, mas, por uma série de razões, em um futuro próximo, ele não terá escolha. É como se o universo puxasse ele pelo braço e falasse ‘és tu mesmo, vem!’”.
Ulysses (Odisseu para os gregos) foi um grande herói da Guerra de Troia, um de seus mais famosos ardis foi a construção de um cavalo de madeira que permitiu a entrada dos exércitos gregos na cidade. Após a derrota dos troianos, ele iniciou uma viagem de volta que durou 10 anos. Penélope, sua mulher, o esperou com fidelidade obstinada, apesar da demora e dos assédios dos amigos. Essa viagem mereceu a criação por Homero do poema épico Odisseia, no qual são narradas as aventuras e desventuras de Ulysses. Sua fidelidade à Ítaca era recíproca e tem tudo a ver também com a situação de Huck, cuja mulher, a também apresentadora Angélica, liderou a resistência da família à candidatura.
Centro à deriva
O suspense em torno da candidatura de Huck, em três semanas de noticiário, porém, transformou o apresentador num grande ator da política nacional, não a dos políticos propriamente ditos, mas a da sociedade desconectada dos partidos políticos tradicionais, que deseja um candidato de perfil moderno e liberal nas eleições de 2018. Huck ocupou um espaço vazio deixado por outros outsiders, como o juiz Sérgio Moro e o prefeito de São Paulo, João Doria, o que é o objeto de desejo de muitos políticos, como Marina Silva (Rede), Ciro Gomes (PDT) e Cristovam Buarque (PPS), que já pleitearam a liderança de “terceira via” em outras eleições.
Ouro aspecto a considerar: a forte presença de Huck no noticiário fragilizou ainda mais o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), cuja candidatura está confinada ao eleitorado paulista, em meio ao racha do seu partido em razão da participação no governo Temer. E serviu para animar o círculo próximo do presidente Michel Temer a articular sua candidatura à reeleição, no pressuposto de que os bons indicadores previstos para a economia em 2018 e o peso do governo federal poderiam ser suficientes para reverter sua impopularidade. Com a saída de cena de Huck, a deriva do chamado centro democrático aumentou. E assim será, porque Temer e Alckmin têm projetos distintos. Ao menos por enquanto.
Lula não consegue sustentar medidas econômicas impopulares, porém necessárias, ainda que em médio e longo…
Essa foi a primeira troca da reforma ministerial que está sendo maturada no Palácio do…
Lula não precisou adotar uma dura política recessiva no primeiro ano de governo, porém se…
Agora, às vésperas de tomar posse, Trump choca o mundo com uma visão geopolítica expansionista…