A conspiração para remover João Doria da disputa presidencial no PSDB vai de vento em popa. Parte das fichas está no tabuleiro eleitoral de São Paulo
O tempo urge para o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que precisa se decidir entre permanecer no PSDB ou migrar para o PSD, a convite do ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Em ambos os casos, para ser candidato a presidente da República, Leite precisaria se desincompatibilizar do cargo até 2 de abril.
Na primeira opção, essa seria a única decisão sobre seu controle, pois sua candidatura dependerá da desistência do governador paulista João Doria. Na segunda, teria legenda garantida para disputar a Presidência, mas isso não significaria o apoio efetivo dos deputados e senadores do PSD.
Vamos por partes. No PSDB, Doria garante que não pretende desistir para outro tucano — se isso vier a ocorrer, será em favor de outro candidato da chamada terceira via que esteja em melhores condições eleitorais, ou seja, Sergio Moro (Podemos) ou Simone Tebet (MDB). O governador paulista se prepara para deixar o cargo, faz entregas e badala suas realizações, como as três mil escolas em horário integral, que considera seu grande legado na Educação. Não pensa na hipótese de disputar a reeleição ao Palácio dos Bandeirantes, garante aos aliados.
A conspiração para remover Doria da disputa presidencial no PSDB, porém, vai de vento em popa. Parte das fichas está no tabuleiro eleitoral de São Paulo, até agora muito adverso para o vice Rodrigo Garcia. Os desafetos do governador imaginam que tão logo deixe o Palácio dos Bandeirantes, os tucanos paulistas se aliarão aos parlamentares de outros estados que defendem sua substituição por Leite, na convenção eleitoral do PSDB, em agosto.
Essa expectativa parte de uma avaliação do cenário eleitoral paulista, em que Garcia aparece bem atrás de Fernando Haddad (PT), Márcio França (PSB) e Tarcísio de Freitas (sem partido). Se os três forem candidatos, será ensanduichado por França e Freitas no interior paulista, e engolido por Haddad na Grande São Paulo.
Essas dificuldades de Garcia estão sendo atribuídas à rejeição de Doria em São Paulo, mas pau que dá em Chico dá em Francisco. Ou seja, a disputa local está sendo muito balizada pela polarização entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Tarcísio e Garcia estão disputando o campo político antipetista, enquanto que Haddad e França trafegam na esteira de Lula.
Apesar de se digladiarem, os tucanos não querem a saída de Leite. Para Doria, que venceu as prévias e acredita controlar a convenção eleitoral, seria um concorrente a menos. Seus dissidentes, porém, fazem um raciocínio mais complexo e trabalham com dois cenários. No primeiro, o governador seria pressionado a desistir pelos aliados do União Brasil e do MDB, que manifestariam apoio a Leite. No segundo, mesmo não sendo o candidato do PSDB, o gaúcho seria a liderança em condições de comandar a federação do PSDB com o Cidadania na reconstrução de uma alternativa social-democrata para o Brasil. Simplesmente porque a sua “sombra de futuro”, em razão da idade, é muito maior do que a de qualquer outro cacique tucano.
A deriva de Alckmin
De certa forma, a deriva do Geraldo Alckmin em direção a Lula reforça esse vácuo de liderança. Herdeiro político de Mario Covas e uma das principais lideranças históricas do PSDB em São Paulo, ao lado de Fernando Henrique Cardoso, José Serra e José Aníbal, a filiação de Alckmin ao PSB, consumada ontem, não pode ser subestimada: o ex-governador tem corpo, cara, coração e cabeça de tucano, mesmo trocando de legenda. Seu discurso não deixou nenhuma dúvida de que pretende agregar ao velho partido do clã Arraes, e à candidatura de Lula, a velha narrativa do PSDB histórico.
Apesar dos questionamentos, a aliança de Alckmin e Lula já foi digerida pelo PT e por toda a esquerda que apoia o ex-presidente. O fato de ter o vice indicado pelo PSB, o maior partido da coalizão de esquerda liderada por Lula, é um ponto final no assunto.
Ao sair da solenidade, os deputados José Guimarães (CE) e Carlos Zarattini (SP), por exemplo, não escondiam o entusiasmo com o discurso do ex-governador paulista, que deixou muito claro seu apoio a Lula. Alckmin falou de esperança e da necessidade de não deixar o passado tolher o futuro. De certa forma, antecipou o discurso que inevitavelmente todos os tucanos de sua geração farão num eventual segundo turno entre o petista e Bolsonaro.
Voltando a Eduardo Leite, essa deriva de Alckmin atrapalha muito os planos de Doria e não pode ser contida por outras lideranças históricas da legenda, que têm apenas uma estratégia de sobrevivência — a maioria em busca de uma vaga na Câmara, como o senador José Serra (SP), por exemplo. Quem poderia resgatar a trajetória do PSDB e conter uma deriva eleitoral, segundo essas lideranças? O governador gaúcho, mesmo que não seja candidato. Por óbvio, esses tucanos dão como certa a cristianização de Doria.