Nas entrelinhas: O trilema das reformas

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“O problema nesse cenário está na resistência das corporações e dos segmentos empresariais que não suportam a concorrência”

O economista Claudio Porto, fundador da Macroplan, batizou de trilema os cenários possíveis para o Brasil a médio prazo. Como aperitivo, faz uma comparação entre o que aconteceu no Brasil e na China nos últimos 40 anos, com base num resumo de Jorge Caldeira, no livro História da Riqueza no Brasil (Estação Brasil). Quando foi lançado o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), na década de 1970, o regime militar apostou no mercado interno e na construção de uma economia autossuficiente em todas as áreas, uma visão autárquica e baluartista de país. Deu errado. A China apostou na globalização, no comércio exterior e na complementariedade. Resultado, em 1979, no final do governo Geisel, em dólares de 2010, o Brasil tinha um PIB de 926 bilhões e a China, de 327 bilhões; em 2017, o PIB do Brasil chegou a 2, 3 trilhões e o da China saltou para 10,1 trilhões.

As causas desse nosso desempenho estão diagnosticadas: economia fechada, com baixa produtividade e muita insegurança; desigualdades muito altas, com 12 milhões de desempregados e 30 milhões abaixo da linha de pobreza; e sistema educacional de baixa qualidade, com o Brasil em 66º lugar entre 73 países no PISA (Programme for Internacional Stuident Assessment), atrás de todos os países da América Latina, com exceção do Peru e da República Dominicana. A grande preocupação de Porto é uma recidiva do padrão de desenvolvimento da década de 1970, cujo resultado seria a retomada do crescimento com agravamento das desigualdades.

Para quem acompanha a política em Brasília, esse cenário não deve ser subestimado, porque pode resultar da convergência de variáveis que estão fortemente presentes no governo Bolsonaro e no atual Congresso. As variáveis positivas são o avanço das reformas liberais no plano fiscal e previdenciário, com ampliação das concessões e parcerias público-privadas. São fatores negativos: manutenção do “capitalismo de laços” e restrições aos privilégios das corporações de caráter parcial ou meramente simbólico, com restrições às políticas sociais e intervencionismo econômico. Trocando em miúdos, nesse rumo, a economia pode crescer sem inflação e baixa produtividade, a taxas entre 2,2% e 1,6% ao ano, com queda na renda média das famílias na base da pirâmide.

Há mais dois cenários possíveis. O melhor é a globalização inclusiva, cujo maior obstáculo aparente hoje é a nova política externa. Além de ajuste fiscal estruturante, desregulamentação, privatizações e parcerias público-privadas, o Brasil precisa de um ambiente de segurança pública e jurídica, mais foco na educação básica, proteção social aos vulneráveis e uma política trabalhista que possibilite investimentos e gere mais empregos. Assim, poderia crescer em 4% e 3,4% ao ano. O problema nesse cenário está na resistência das corporações e dos segmentos empresariais que não suportam a concorrência.

O pior cenário é o pacto perverso do populismo com o corporativismo, que tenta conciliar as demandas da população com as das corporações. Nesse cenário, as reformas serão mitigadas no Congresso, com soluções de curto prazo para a crise fiscal, inclusive na reforma da Previdência. Esse é um horizonte de crescimento próximo do zero, depois de mais um voo de galinha.

Boechat, 66 anos

Conheci Ricardo Boechat em Niterói, no começo dos anos 1970, quando fui trabalhar no jornal O Fluminense e estudar ciências sociais na Universidade Federal Fluminense. Ele era repórter da coluna do Ibrahin Sued, no jornal O Globo. Éramos jovens militantes do antigo PCB e compartilhamos, em 1975, a angústia de ver nossos “assistentes” presos e a gratidão de saber que nenhum deles — nem José Otto de Oliveira nem Aírton Albuquerque Queiroz, respectivamente, de quem recebíamos o jornal clandestino Voz Operária — havia nos denunciado. Graças a isso, pudemos prosseguir nossas vidas profissionais.

Nos cruzávamos, às vezes, na barca Rio-Niterói, até o dia em que Boechat resolveu comprar uma moto e atravessar a ponte por meios próprios. Por causa da minha vida cigana, nosso último encontro foi na redação do jornal O Globo. Ele era colunista e eu, que trabalhava na sucursal de São Paulo, de passagem pelo Rio de Janeiro, fui à redação visitar Ali Kamel, que me resgatou para a grande imprensa, e lá o reencontrei, como a outros velhos amigos comuns, entre os quais meu xará Luís Carlos Cascon, então chefe de reportagem, também de Niterói. Depois, tivemos apenas algumas conversas por telefone. Boechat era tudo isso que os amigos estão falando. Destaco, porém, três qualidades do seu caráter: a coragem, a integridade e o amor ao próximo. Mando aqui meus pêsames para Veruska, sua mulher, colega jornalista que conheci em Vitória, e para os demais parentes e amigos. Força aí!

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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