Nas entrelinhas: O tombo

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“A nota do Palácio do Planalto é lacônica demais, diante dos comentários do próprio presidente Bolsonaro sobre a queda que sofreu no banheiro do Palácio do Planalto”

Durante cinco anos, o presidente Jair Bolsonaro fez parte da principal unidade de elite do Exército Brasileiro, a Brigada de Infantaria Paraquedista, no Rio de Janeiro, na qual aprendeu a saltar nas mais diversas condições adversas. Quem tem medo de altura ou falta de preparo físico nem se candidata à PQD, um corpo de voluntários. A passagem pela tropa marcou profundamente o comportamento do presidente da República — “quero a insegurança e a inquietação, quero a luta e a tormenta”, diz a canção dos paraquedistas —, mas nem por isso Bolsonaro ficou livre do mais comum e letal acidente doméstico: cair no banheiro.

A queda que sofreu às vésperas do Natal, na banheira do Palácio da Alvorada, engrossou as estatísticas de acidentes domésticos com registro hospitalar. Bolsonaro chegou a ser internado no Hospital das Forças Armadas, onde fez exames e passou a noite em observação (“Eu perdi a memória parcial, hoje de manhã, eu comecei a recuperar muita coisa e agora estou bem. Eu não sabia, por exemplo, o que tinha feito no dia de ontem. Caí de costas, escorreguei para frente e caí de costas”, disse o presidente, em entrevista na TV Band, depois de receber alta). O exame de tomografia computadorizada do crânio, porém, não detectou alterações, afirmam os médicos.

Segundo estudos, as quedas são a terceira principal causa de mortes por causas externas — a primeira são os acidentes de trânsito (23%); a segunda, os homicídios (18,9%). Em 2010, eram 2.520 mortes (10%). Em 2016, esses números saltaram para 3.361 óbitos, taxa de 15% dos casos. A maioria envolve idosos com mais de 65 anos. Das 3.361 mortes, mais da metade (1.809) foram relacionadas a pessoas com mais de 75 anos. No Brasil, 30% dos idosos caem ao menos uma vez ao ano. A falta de prevenção está entre os principais fatores que fazem com que as quedas sejam tão frequentes. Os idosos representam 25% dos casos de internação devido a quedas; desses 25%, 63% foram a óbito.

O acidente com Bolsonaro mexeu comigo na véspera do Natal. No sábado de carnaval passado, perdi um grande amigo, o arquiteto Bruno Fernandes, mais jovem do que eu, em decorrência das sequelas de um traumatismo craniano provocado por um acidente doméstico: escorregou na escada que leva à piscina de sua casa, na Ladeira do Sacopã, e bateu a cabeça num dos degraus, entrando em coma. Operado, passou por longa internação e, já em casa, quando se recuperava, teve uma morte súbita.

Outro grande amigo, o advogado e ex-deputado Marcelo Cerqueira, há alguns anos, ficou tetraplégico em decorrência de um acidente ainda mais banal: levantou à noite para ir ao banheiro, no escuro, e bateu com a cabeça na porta do quarto entreaberta antes de alcançar o interruptor da luz. Ao cair, fraturou a coluna cervical. Havia estado com ele no ano-novo, no apartamento na Avenida Atlântica, onde ainda recepciona os amigos para ver os fogos de artifício de Copacabana; uma hora após a virada, ele havia saído para nadar “100 braçadas mar adentro”, o que fazia todas as manhãs.

Segurança
Quedas ocorrem em decorrência de doenças, hábitos, condição física, dieta e fatores extrínsecos, como condição de vias públicas, decoração dos ambientes e pisos domésticos. Muitas vezes, a queda é causada por AVC, hipotensão, anemia, polipatologias, alteração na visão e/ou no equilíbrio, uso excessivo ou equivocado de medicamentos e, principalmente, perda de força muscular (especialmente nas pernas) e falta de elasticidade e resistência. Às vezes, coincidem com os riscos do local: pisos escorregadios, calçamento irregular, escadas, tapetes, excesso de móveis nos ambientes ou uma banheira das antigas, como a do Palácio da Alvorada. Até mesmo um sapato velho ou tênis molhado podem provocar uma queda.

Bolsonaro já é um sobrevivente da facada que levou durante a campanha e das cirurgias às quais foi submetido em decorrência das sequelas do atentado. Um colega repórter fotográfico registra quase religiosamente todas as solenidades oficiais do Palácio do Planalto. É um especialista nos detalhes que fazem a diferença entre uma foto de capa de revista e uma imagem trivial. Coleciona fotos de autoridades em situações, digamos, desconfortáveis. Em algumas, Bolsonaro aparenta cansaço, mal-estar ou mesmo dor.

Ao contrário do presidente Tancredo Neves, que morreu sem tomar posse, e outros políticos que escondiam as doenças, Bolsonaro não foge dos seus médicos. A nota oficial do Palácio do Planalto, porém, é lacônica demais, diante dos comentários feitos pelo próprio presidente da República sobre a queda que sofreu. A causa do tombo pode ter sido mesmo um simples escorregão, mas Bolsonaro não é mais um capitão paraquedista. Precisa de um banheiro mais seguro. A Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa, do Ministério da Saúde, lista medidas de prevenção: claridade, tapete antiderrapante, barras de apoio, campainha e nunca trancar a porta.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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