Falar em semipresidencialismo é palavrão no Palácio do Planalto, mas no Congresso só se pensa nisso. A captura do Orçamento da União já é processo irreversível
Presidente do Conselho Científico do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), o cientista político e professor Antonio Lavareda, em artigo publicado, nesta terça-feira, no jornal O Globo (É preciso mudar a política. Mas como?), fez um alerta sobre a disfuncionalidade do nosso sistema político. “As disfunções do nosso sistema político são variadas. Por ora, foquemos, de um lado, no “presidencialismo esgotado”; de outro, na “representação sem fidúcia”.
No primeiro caso, Lavareda chama a atenção para o que classificou de “sinistralidade” do nosso presidencialismo, com destaque para o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, e a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, antes do golpe de 1964; e os impeachments de Fernando Collor de Mello, em 1992, e Dilma Rousseff, em 2016. Para o cientista político, é inevitável o avanço em direção ao sistema misto, o chamado semipresidencialismo, tendo como modelo o francês ou o português.
No francês, o maior protagonismo é do presidente da República, como nos mostra Emmanuel Macron; no português, o primeiro-ministro rouba a cena, mesmo quando o governo é uma “geringonça”, como fez Antonio Costa, ao formar a coalizão de esquerda Partido Socialista (PS), Bloco de Esquerda (BE), Partido Comunista Português (PCP) e Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV). O objetivo principal da geringonça era um governo estável, para implementar políticas de esquerda e combater a austeridade.
Falar em semipresidencialismo é palavrão no Palácio do Planalto, mas no Congresso só se pensa nisso. A captura do Orçamento da União por meio das emendas parlamentares impositivas é um processo irreversível. Mesmo os parlamentares do PT não desejam que a execução das emendas volte ao arbítrio do Executivo. Entretanto, essa situação criou uma anomalia, porque o Congresso abocanha parte considerável dos recursos para investimentos sem nenhum compromisso com o resultado das políticas públicas. É a volta do clientelismo mais primário, com o argumento de que os deputados é que sabem o que os cidadãos desejam.
Está escrito nas estrelas: na primeira crise institucional séria, o semipresidencialismo virá a galope, como alternativa a um novo processo de impeachment. A gravidade da crise determinaria se o modelo será francês ou português. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia ser protagonista de uma reforma política sem crise institucional, que optasse por esse modelo, em vez de tentar reverter o “semipresidencialismo irresponsável” vigente, pois não tem força suficiente para isso.
Descolamento
O status quo da relação entre o Executivo e o Legislativo leva a outra situação que Lavareda aponta em seu artigo: a “representação sem fidúcia”. Traduzindo, a maioria dos eleitores não lembra em quem votou para o parlamento. “Em setembro de 2023, menos de um ano depois da eleição dos atuais deputados federais, questionados pelo Ipec se lembravam o nome daquele/a em quem haviam votado, apenas 29% disseram que sim”, lembra o cientista político e especialista em pesquisas eleitorais.
Esse fenômeno não é novo. Quando debatido, acaba associado ao sistema de votação proporcional, que é confrontado com a proposta de voto distrital ou misto, que faria, em tese, com que houvesse mais identificação e confiança entre os eleitores e seus representantes. Ocorre que os deputados eleitos por esse sistema (senadores são escolhidos por voto majoritário) não querem nem saber dessa discussão, porque já conhecem o caminho das pedras e não pretendem arriscar a reeleição como quem pula numa piscina sem saber se tem água dentro.
É um círculo vicioso: esse descolamento entre o eleitor e seu representante cria uma situação de volatilidade política, que resultou em grandes renovações nos parlamentos. Em vários momentos. A maior ocorreu em 2018, no tsunami eleitoral que também levou Jair Bolsonaro à Presidência. As emendas impositivas e o chamado “orçamento secreto” são a resposta ao imponderável nas eleições proporcionais, na medida em que criam grande disparidade de armas entre quem tem mandato e quem não tem, exatamente para perpetuar a elite política.
A outra face dessa moeda é a compra de votos, aberta ou velada, com recursos de caixa dois, que continua existindo, apesar do financiamento público de campanha. O total das emendas parlamentares ao Orçamento chegará a R$ 52 bilhões em 2024. Os parlamentares podem fazer emendas de comissões, individuais e de bancadas estaduais. Cada parlamentar pode apresentar até 25 emendas, num montante que pode chegar a R$ 62 milhões. Soma-se a isso as verbas de gabinetes, dezenas de assessores e os recursos do fundo eleitoral. É uma blindagem contra a renovação política.
Lula não consegue sustentar medidas econômicas impopulares, porém necessárias, ainda que em médio e longo…
Essa foi a primeira troca da reforma ministerial que está sendo maturada no Palácio do…
Lula não precisou adotar uma dura política recessiva no primeiro ano de governo, porém se…
Agora, às vésperas de tomar posse, Trump choca o mundo com uma visão geopolítica expansionista…