Torquato Jardim falou, publicamente, tudo o que Temer gostaria de ouvir sobre a Lava-Jato e nenhum outro ministro teve coragem de dizer
O presidente Michel Temer surpreendeu adversários e aliados com a troca de ministros no domingo, na qual o jurista Torquato Jardim foi para o Ministério da Justiça. O deputado Osmar Serraglio pode ir para o lugar no Ministério da Transparência, o que manteria o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) no exercício do mandato, ou seja, com foro privilegiado. Loures é investigado pela Lava-Jato por suspeita de ter recebido propina do grupo J&F, controlador do frigorífico JBS e foi afastado das atividades parlamentares por ordem do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF).
Apontado como intermediário do presidente da República para assuntos da holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista com o governo, Loures foi gravado pela Polícia Federal saindo de um restaurante de São Paulo carregando uma mala com R$ 500 mil em propina entregue pelo executivo da J&F Ricardo Saud. A troca de ministros é semelhante a um roque de torre, movimento clássico de xadrez, jogo que muito se equivale à política, devido à necessidade de prever as reações do adversário e antever a movimentação de todas as peças no tabuleiro.
Na jogada, duas peças são movimentadas no mesmo lance para evitar um xeque e proteger o rei ameaçado, que é deslocado duas casas na direção da torre com a qual desejar “rocar”; a torre passa através do rei, permanecendo na primeira casa após o “salto”. Para que isso ocorra, o rei e a torre devem estar na mesma fileira, não podem ter sido movidos previamente; as casas entre o rei e a torre devem estar desocupadas e a manobra não pode resultar em xeque.
Há duas semanas, Temer consultava os ministros mais próximos sobre a necessidade de um nome com mais autoridade para o lugar de Serrraglio, desgastado desde a Operação Carne Fraca, quando foi gravado em uma conversa no mínimo inadequada. Quando leu a entrevista exclusiva do então ministro da Transparência no Correio Braziliense, no domingo, o presidente da República bateu o martelo. Torquato falou, publicamente, tudo o que Temer gostaria de ouvir sobre a Lava-Jato e nenhum outro ministro teve coragem de dizer.
Na entrevista ao Correio, Torquato defendeu Temer, minimizou os termos da conversa com Joesley Batista, questionou os métodos da força-tarefa da Lava-Jato e do acordo de delação premiada com os executivos da JBS: “Por que um procurador da República que atuava na Lava-Jato aposentou-se e, no dia seguinte, tornou-se advogado dele (Joesley Batista, um dos donos da JBS)? Há outros advogados famosos que estavam na JBS e deixaram para transferir a causa. Acho que eles (PGR) devem explicar”, disse. Referia-se ao ex-procurador da República Marcelo Miller, da equipe do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que estava na operação até março, quando passou a atuar no escritório que negocia os termos da leniência do grupo J&F.
A troca pegou de surpresa os aliados, que já se articulavam para emplacar um nome na pasta e não esperavam uma indicação de caráter suprapartidário. Torquato mantém amplo diálogo junto aos tribunais e trânsito entre os partidos da base. De imediato, a indicação melhorou a relação de Temer com o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL). Espera-se que a primeira consequência seja a substituição do diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello Coimbra, assunto abordado na conversa de ontem à tarde com Michel Temer no Palácio do Planalto. A reunião não estava prevista na agenda oficial e o novo ministro da Justiça não falou com a imprensa ao deixar o prédio para despachar pela última vez no Ministério da Transparência.
Tabajara
Temer ofereceu o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU), pasta que era comandada por Jardim, a Osmar Serraglio, mas ele ainda não deu uma resposta. Se decidir voltar para a Câmara, Rocha Loures voltará para a planície, ou seja, o caso irá para a primeira instância. É mais lenha na crise que Temer tenta debelar com a mudança feita na Justiça. Ontem, o presidente participou de reuniões com empresários paulistas, sinalizou que está firme no cargo e que manterá o rumo da economia.
Na outra ponta da crise, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, deu um chega para lá nas especulações de que estaria arbitrando a sucessão de Temer. Disse que não cabe ao TSE “resolver crise política” e que o início do julgamento da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, que será retomado na próxima terça-feira, pode, sim, ser interrompido caso algum dos ministros peça vistas do processo. Para Mendes, fazer isso em um julgamento complexo é absolutamente normal.
“Se houver pedido de vista, é algo absolutamente normal, ninguém fará por combinação com esse ou aquele”, disse o presidente do TSE, durante congresso jurídico da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge). “Não cabe ao TSE resolver crise política. O julgamento será jurídico e judicial”, concluiu o ministro. Mendes comparou a política brasileira a uma organização Tabajara.