A Cultura envolve grandes interesses privados e muita verba pública. Artistas não podem ser apenas a massa de manobra desses interesses
O presidente nacional do PPS, Roberto Freire, ao assumir o Ministério da Cultura, segurou um rabo de foguete maior do que a crise armada pelo pedido de demissão de Marcelo Calero, diplomata de carreira que comandava a pasta, após uma trombada com o secretário de Governo, ministro Geddel Vieira Lima. O episódio desnudou dois dos grandes conflitos que envolvem a gestão da pasta: o choque entre a cultura tradicional nordestina e a urbana contemporânea, envolvendo o eventual veto do presidente Michel Temer à nova lei que regulamenta a vaquejada, tema da versão inicial do Palácio do Planalto à saída de Calero; e a especulação imobiliária nas áreas de preservação do patrimônio histórico e arquitetônico nacional, cujo estopim foi o escandaloso lobby de Geddel, em Salvador, para liberar a construção de um prédio acima do gabarito, no qual comprou um apartamento, verdadeira razão do pedido de demissão.
Em circunstâncias normais, tudo seria resolvido com duas canetadas: a sanção da lei que normatiza e preserva a tradição sertaneja; e o veto à construção da torre de 30 andares, para preservar o patrimônio histórico e urbanístico de Salvador. O rabo de foguete, porém, é muito maior. Além dos interesses econômicos envolvidos nessas questões, existe um grande contencioso entre o mundo artístico e cultural e o governo Temer, em razão do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Quando o ex-deputado Hélio Bicudo e a professora Janaína Paschoal entraram com o pedido, Freire os procurou para articular o apoio dos partidos de oposição à proposta.
Veremos uma queda de braços entre Juca Ferreira, ex-ministro da Cultura dos governos Lula e Dilma, que nunca desencanou da pasta, e o novo ministro da Cultura. Isso já acontecera com Ana de Holanda e a senadora Marta Suplicy, no primeiro mandato de Dilma, no segundo, e com o próprio Calero, quando assumiu a pasta, após o presidente Michel Temer ser efetivado no cargo pelo Congresso. A Cultura é um terreno minado, que envolve grandes interesses privados e muita verba pública. Artistas e produtores culturais não podem ser apenas a massa de manobra desses interesses.
No Brasil, desde o governo de Getulio Vargas (1930-1945), há uma forte relação entre o Estado e o mundo da cultura. O maior exemplo está justamente na área de preservação do patrimônio, com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), reivindicada desde a década de 1920 pelos intelectuais modernistas, que lutaram pela eservação das cidades históricas, principalmente por causa do barroco mineiro. Na mesma época, foram criados o Instituto Nacional de Cinema Educativo (Ince), o Instituto Nacional do Livro (INL) e o Conselho Nacional de Cultura, todos subordinados ao Ministério da Educação e Cultura. Nos anos 1970, foi criada a Secretaria de Assuntos Culturais, com duas áreas de atuação: uma patrimonial (Iphan e Pró-Memória) e outra de produção, circulação e consumo da cultura (Funarte). Em 1985, o presidente José Sarney finalmente criou o Ministério da Cultura, para o qual foi nomeado um político querido no meio artístico e cultural: o mineiro José Aparecido de Oliveira.
O legado de Gil
O atual Ministério da Cultura é uma construção de Gilberto Gil, o ministro cantor de Lula, que havia se preparado para o cargo pelas vicissitudes da vida, como compositor e músico, político ambientalista (PMDB e PV) e administrador formado pela Universidade Federal da Bahia. Desde a Tropicália, esteve na vanguarda musical do país; seu ativismo político levou-o à prisão e ao exílio na década de 1970. Juca Ferreira era seu braço direito na política. Gil promoveu uma ruptura com a gestão modernizadora de Francisco Weffort, que fora muito contingenciada pelo ajuste fiscal no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Além de estabelecer a atual estrutura do Minc, Gil fez alterações radicais na lei de incentivo à cultura. Criou as secretarias de Políticas Culturais, de Articulação Institucional, da Identidade e da Diversidade Cultural, de Programas e Projetos Culturais e a de Fomento à Cultura, em sintonia com o projeto de poder do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua projeção internacional. Do ponto de vista da política cultural, adotou-se o conceito de “hibridização” no lugar da tradicional divisão entre cultura erudita, popular e de massas, mas isso não foi levado à prática.
Na gestão de Juca Ferreira, o novo conceito foi apenas um pretexto para a distribuição de recursos com objetivo de cooptar produtores, agentes e gestores culturais, além de artistas e intelectuais, para o projeto petista, o que foi feito com relativo sucesso. Uma certa esquizofrenia na relação entre eles e o chamado mercado cultural, cujo melhor exemplo são os artistas da TV Globo. Muitos gritam “Fora, Temer!” como uma forma de não serem “patrulhados”, nem passarem por situações como a enfrentada pelo jornalista Caco Barcelos, agredido por manifestantes no Rio de Janeiro na semana passada durante a produção de seu programa. Num ambiente político muito radicalizado e maniqueísta, duas questões estão no centro da pauta cultural: a sua diversidade e a economia da cultura.
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