Nas entrelinhas: O mundo de Neymar

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As democracias do Ocidente precisam reduzir a pressão sobre os orçamentos, reduzir suas dívidas e os impostos, investir em infraestrutura, combater a corrupção e renovar a política.

O Paris Saint-Germain contratou o atacante Neymar Júnior no maior negócio da história do futebol. A rescisão com o Barcelona custou € 222 milhões (R$ 812 milhões). O dono do clube é Nasser Ghanim Al-Khelaifi, de 43 anos, cuja ambição é ganhar a Liga dos Campeões. O dinheiro vem do fundo de investimentos Catar Sports, controlado pelo emir do Catar, Tamim ben Hamad Al Thani, ex-dirigente da Autoridade de Investimento do Catar, o fundo soberano do país. Antes de investir no clube parisiense, Al-Khelaifi era presidente do grupo de mídia “beIN”, canal esportivo que arrebatou os direitos de transmissão de grandes torneios. Chegou ao comando do PSG em 2011, após a compra do clube francês.

O Catar é um emirato absolutista, comandado pelos Thani desde o século XIX. Foi um protetorado britânico até conquistar a independência, em 1971. Desde então, tornou-se um dos estados mais ricos da região, devido às receitas do petróleo e gá. Tem uma população de 1,9 milhão de habitantes, dos quais apenas 250 mil são árabes. Os demais são trabalhadores estrangeiros: indianos, nepaleses, paquistaneses e filipinos, principalmente. Chanceler supremo, o emir possui o poder exclusivo de nomear e destituir o primeiro-ministro e o Conselho de Ministros, que é a autoridade executiva suprema no país. Doha, a capital do Catar, sede da rede de televisão Al Jazeera, é um paradigma da moderna arquitetura urbana do Oriente e um dos principais centros financeiros do mundo. O pequeno e rico Catar quer ser um polo da economia do conhecimento.

Recentemente, a Arábia Saudita, Egito, Barein, Emirados Árabes Unidos, Líbia, Iêmen e Maldivas cortaram os laços diplomáticos com o Catar. A justificativa dos países é que o emirato daria suposto apoio ao terrorismo, devido às relações do emir com a Irmandade Muçulmana e o Hamas, considerados uma ameaça às demais monarquias do Golfo Pérsico. O emir do Catar usa a mesma estratégia do rei Addulla II, da Jordânia, que mantém boas relações com o Hamas para os palestinos não desestabilizarem seu próprio regime. A compra do Paris Saaint-Germain e sua transformação na maior potência esportiva da Europa é uma grande jogada de marketing. Curiosamente, a camisa do clube é patrocinada pela Emirates Airlines, que chegou a cancelar seus voos na crise, e não pela Catar Airways, uma das companhias aéreas que mais cresce no mundo.

Corrida mundial
O Catar é um dos paradigmas de gestão para a nova escola de formação de dirigentes partidários, administradores públicos e executivos de empresas estatais da China. Outro paradigma é Cingapura, a cidade-estado da península da Malásia, com 5 milhões de habitantes, que tem um governo forte, experiente e altamente qualificado, apoiado por um serviço especializado civil e um sistema de educação com ênfase na realização e na meritocracia. O parlamento é controlado pelo Partido da Ação Popular, que governa o país com mão de ferro desde a independência. Catar e Cingapura participam da corrida mundial para reinventar o Estado, da qual a China pretende fazer parte, em meio à disputa com os Estados Unidos pelo controle do comércio mundial, cujo eixo se deslocou do Atlântico para o Pacífico. Levam a vantagem de não terem que lidar com a crise da democracia representativa e o colapso do Estado de bem-estar social do Ocidente.

Não é o caso da França, de Emmanuel Mácron. O presidente francês rompeu a bipolaridade da política francesa do pós-guerra, derrotando a esquerda e a direita, com um discurso no qual propõe a reforma democrática do Estado e a reinvenção da economia francesa. “Parabéns, soube que trouxe boas notícias”, disse o presidente francês a Al-Khelaifi, o presidente do PSG, referindo-se à chegada do craque brasileiro. O ministro francês das Contas Públicas, Gérald Darmanin, celebrou a fortuna do jogador, por causa dos impostos que vai pagar na França: “É melhor que pague aqui em vez de pagar em outro lugar”, afirmou.

Neymar deixou o Barcelona num momento em que cresce a campanha pela independência da Catalunha, de forte tradição republicana. Há um plebiscito convocado pelo parlamento local para 1º de outubro, mas que não é reconhecido pelo governo da Espanha, que atravessa um dos seus piores momentos. As democracias do Ocidente estão em crise, precisam reduzir a pressão sobre os orçamentos governamentais, reduzir suas dívidas e os impostos, investir em infraestrutura, combater a corrupção e, principalmente, renovar a política. Como no Brasil de Neymar.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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