O ambiente “líquido” da disputa eleitoral fragmenta ainda mais os interesses da maioria e nenhum nome se apresenta como alternativa à radicalização
Um dos grandes fatores de incerteza na conjuntura política é a ausência de um projeto de país no debate eleitoral que se inicia. Outro, o fato de que o Estado brasileiro está em crise, com o fracasso das políticas públicas e uma crise de financiamento cuja conta está sendo toda pendurada no sistema de Previdência.
Ao mesmo tempo em que os políticos e seus partidos não oferecem uma alternativa convincente e motivadora para a situação, a Operação Lava-Jato revelou para a sociedade que o financiamento da política — e o enriquecimento pessoal de seus principais operadores — era feito por meio do desvio ilegal de recursos, que deveriam ter ido para escolas, hospitais, estradas, metrôs, etc.
É impossível evitar o enorme mal-estar instalado na sociedade, com o agravante de que isso está sendo potencializado por outros fenômenos que não são uma exclusividade brasileira. No mundo inteiro, o Estado perdeu sua referência. O que era moderno e sólido, organizado, produtor de justiça e provedor da qualidade de vida das pessoas está se desmanchando no ar. Como assinalou o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (O mal-estar da pós-modernidade, Zahar), o Estado na pós-modernidade perdeu o poder para o mercado livre, perdeu o propósito de sua existência. Quanto maior, mais atrapalha. O Estado tornou-se uma empresa ineficiente.
Bauman utiliza a metáfora da liquidez para caracterizar a sociedade contemporânea. A crise das ideologias da modernidade — que tinham começo, meio e fim e uma base social estruturada na sociedade industrial — resultou numa cultura fluida, líquida, gasosa, pautada pelas incertezas e pela volatilidade. Tudo parece errado e em movimento. O que seria mais civilizado se revelou uma sociedade mais cruel e embrutecida, mais desigual e injusta. No Brasil, essa sensação de fracasso da sociedade contemporânea por não alcançar a felicidade, fruto da pós-modernidade, é ainda maior por causa da exclusão e da violência, sem falar na corrupção dos políticos. Sem as velhas utopias que fracassaram e com a fragmentação das ideologias, a política se tornou um objetivo em si mesma e um balcão de negócios, perdeu o projeto de Nação.
Cenários
É nesse ambiente que entramos no ano eleitoral. Os discursos são, no mínimo, regressivos. Uma espécie de pare o mundo, vamos dar marcha à-ré. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, se apresenta como vítima de uma grande injustiça, como se nada tivesse a ver com toda a roubalheira que houve durante seus dois mandatos e o colapso econômico do país no governo Dilma Rousseff, cuja eleição foi sua maior proeza. Quer passar uma borracha no que aconteceu entre 2011 e 2016 e retomar o fio da história lá atrás. Vamos supor que isso fosse possível. Se Lula voltar ao poder para fazer o que vem dizendo, o desastre será ainda maior. Basta olhar para a Venezuela e outros países da América Latina.
Outro player do debate eleitoral é o deputado Jair Bolsonaro (PSL). Depois da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, acredita que pode falar qualquer bobagem e nada abalará o seu prestígio. As bandeiras conservadoras e retrógradas são agarradas com as duas mãos pelo parlamentar, que faz uma defesa incondicional do golpe militar de 1964 e dos 20 anos de regime autoritário que o país atravessou. Agora flerta com ideias liberais na economia por mera conveniência; sua cabeça é nacionalista e estatizante, como a do ex-presidente Ernesto Geisel, com a diferença que não tem a mesma cultura e experiência administrativa do general que restabeleceu a hierarquia nas Forças Armadas e promoveu a abertura política. Com Bolsonaro no poder e um Congresso que lhe seja hostil, o risco de golpe militar entra em qualquer cenário pós-eleitoral.
Pode-se dizer que o país que queremos comporta essas duas alternativas? As pesquisas mostram que não. A maioria da sociedade ainda defende valores essenciais para a democracia, entre os quais a busca de consensos e a construção de soluções positivas, o respeito à diversidade, à igualdade de oportunidades e à inclusão. Entretanto, o ambiente “líquido” da disputa eleitoral fragmenta ainda mais os interesses da maioria e nenhum nome se apresenta como alternativa ao centro, nem mesmo aqueles que deveriam polarizar o debate eleitoral, como Marina Silva (Rede) e o governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB).
Que país queremos? Quem responder a esse questionamento certamente terá possibilidade de disputar pra valer a Presidência. Sabemos, porém, que as referências dos brasileiros não são os países da América Latina, África ou Ásia; são a Europa e os Estados Unidos. Sabemos também que é preciso fazer um novo pacto entre o Estado e a sociedade e pensar um modelo de desenvolvimento mais sustentável, que aproveite nossos recursos naturais de forma não-predatória e aposte fortemente no conhecimento para que nos tornemos um país melhor para dentro e para fora dos locais de trabalho e de moradia.