“Bolsonaro servirá de segunda baliza para a avaliação do governo Temer. A primeira foi o desastroso governo de Dilma Rousseff.”
Para ser presidente eleito pelo voto direto é preciso grande dose de sorte numa conjuntura favorável, além da capacidade de catalisar os sentimentos mais profundos da maioria dos eleitores. Por isso, os políticos dizem que a Presidência é “destino”. Para ser o vice, não; a sorte e os votos vêm de carona. O mais importante é a capacidade de se articular politicamente com aquele que reúne essas condições e receber o apoio de seu próprio partido e das forças aliadas. Quanto menos quereres do titular, mais perigoso é o vice. O Brasil já teve 24 vice-presidentes da República, alguns deles chegaram a assumir em caráter permanente a Presidência. O último é o presidente Michel Temer, efetivado no cargo com o impeachment de Dilma Rousseff. Hoje, passará a faixa para o presidente eleito, Jair Bolsonaro, cujo vice é o general Hamilton Mourão, que herdará o “carma”.
Há vice-presidentes que deixaram seu nome na memória política do país. O primeiro foi Floriano Peixoto, o “marechal de ferro”. No dia da Proclamação da República, encarregado da segurança do ministério do Visconde de Ouro Preto, Floriano se recusou a atacar os revoltosos. Justificou sua insubordinação, respondendo ao próprio: “Sim, mas lá (no Paraguai) tínhamos em frente inimigos e aqui somos todos brasileiros!” Floriano Peixoto deu voz de prisão ao Visconde de Ouro Preto, gesto que viria a se repetir algumas vezes ao longo da República. Vice-presidente do Governo Provisório, foi eleito vice-presidente constitucional e assumiu a Presidência em 23 de novembro de 1891, com a renúncia do marechal Deodoro da Fonseca. Governou por decreto, como se fosse um ditador, recorrendo, por longo período, ao “estado de sítio”. Floriano inaugurou a política de culto à personalidade e o presidencialismo vertical na política republicana, mas passou o cargo ao sucessor eleito, o presidente Prudente de Moraes. Eleito em 1918, com Rodrigues Alves, que faleceu antes de tomar posse, Delfim Moreira exerceu a Presidência interinamente até a eleição de Epitácio Pessoa, no ano seguinte, voltando à vice-presidência. Outra transição pacífica.
As Constituições de 1934 e 1937, que davam mais poderes ao ditador Getúlio Vargas, extinguiram o cargo, que somente foi restaurado pela Constituição de 1946. Até a Emenda Constitucional 9, de 1964, do regime militar, o vice-presidente era eleito separadamente do presidente, da mesma forma como ocorria na Primeira República. O presidente João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964, foi eleito vice-presidente da República duas vezes: a primeira, com Juscelino, em 1950, tendo mais voto do que ele; a segunda, com Jânio Quadros, nas eleições de 1960, graças à manobra dos sindicalistas paulistas, que lançaram a chapa Jan-Jan e “cristianizaram” o marechal Henrique Teixeira Lott, candidato do PTB. Com a espetacular e imprevisível renúncia de Jânio, Jango assumiu o governo, depois de uma crise na qual os militares ligados à UDN tentaram impedir sua posse. Acabou destituído pelos militares em 31 de março de 1964. O resto da história todos conhecem. Foram 20 anos de ditadura.
O tempo dirá
O presidente José Sarney também era vice; assumiu em razão da morte de Tancredo Neves, eleito por um colégio eleitoral, em 1985. Exerceu a Presidência por cinco anos, operou com sucesso a transição à democracia e nos deixou como legado a Constituição de 1988 e melhores indicadores sociais em todas as áreas, mas também a maior hiperinflação de nossa história. Coube a outro vice-presidente, Itamar Franco, que assumiu a Presidência após o impeachment de Collor de Mello, em 1992, enfrentar o problema. Para isso, depois de tentativas fracassadas, nomeou para o Ministério da Fazenda o senador Fernando Henrique Cardoso, seu chanceler, que montou uma equipe econômica chefiada pelo economista Pedro Malan. O Plano Real, criado para acabar com a hiperinflação, com nova troca de moeda e contenção de gastos, foi um sucesso, o que acabou garantindo a eleição de FHC à Presidência por duas vezes, ambas com apoio de Itamar.
Voltando ao ponto de partida: só o tempo dirá o lugar exato do presidente Michel Temer na História. Ao contrário da narrativa do golpe, Temer assumiu a Presidência por um imperativo constitucional, em razão de um impeachment aprovado pelo Senado, sob a presidência do ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Vice-presidente por duas vezes eleito na chapa da petista, recebeu o governo completamente em colapso, aparelhado pelo PT e aliados, com a Petrobras no fundo do poço, por causa do escândalo do “petrolão”. O país estava mergulhado na maior recessão de sua história, com 14 milhões de desempregados; e os principais partidos, na mira da Operação Lava-Jato e desmoralizados pelo envolvimento com a corrupção. Temer montou uma boa equipe econômica, chefiada por Henrique Meirelles, adotou critérios de excelência e mérito no comando das estatais, aprovou limites para expansão de gastos, fez a reforma trabalhista. Assim, conseguiu domar a inflação, reduzir os juros e repor a economia nos trilhos do crescimento, ainda que em marcha lenta e sem resolver o problema de 12 milhões de desempregados.
Não é pouca coisa. Entretanto, duas denúncias de corrupção da Lava-Jato, com base na delação premiada do empresário Joesley Batista, embora rejeitadas pelo Congresso, jogaram sua reputação na lona e deixaram a reforma da Previdência em segundo plano. Sem maniqueísmo, Temer passará a faixa presidencial para Jair Bolsonaro com a espada da Justiça sobre a cabeça, mas com a elegância de um democrata que cumpriu seu dever. Podemos dizer que um novo ciclo será aberto. O sucesso ou não do governo Bolsonaro servirá de segunda baliza para a avaliação do governo Temer. A primeira foi o desastroso governo de Dilma Rousseff.
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