Nas entrelinhas: O lado B do câmbio

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A operação de “dólar-cabo” é utilizada, para remessa ilegal de divisas ao exterior, por um sistema que funciona na base da confiança: o doleiro recebe o dinheiro no Brasil e entrega no exterior

A Operação “Cambio, Desligo” mirou no que viu, o esquema de lavagem de dinheiro do ex-governador fluminense Sérgio Cabral (MDB), e acertou no lado oculto do mercado de câmbio no Brasil, que envolve não só os políticos, executivos e operadores da propina da Operação Lava-Jato, mas também toda a rede de lavagem de dinheiro da economia informal, ou seja, o caixa dois de empresas que recorriam ao esquema e a grana dos “barões” do contrabando, dos “chefões” do tráfico de drogas, dos “coronéis” das milícias. Dos 45 mandados de prisão expedidos pelo juiz federal Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio, ontem, foram executados 33, com as prisões de 13 doleiros no Rio, oito em São Paulo, cinco no Rio Grande do Sul, dois em Minas Gerais, dois no Distrito Federal, e outros três no Uruguai.

Dário Messer, apontado como o doleiro mais influente no país, seria o centro das conexões, segundo os investigadores, porque era o “chefão” da rede de doleiros desbaratada ontem com apoio de autoridades uruguaias, mas que envolve 3 mil empresas offshore, que operam em 52 países e movimentaram US$ 1,6 bilhão (R$ 5,6 bilhões). Os suspeitos integravam um sistema chamado Bank Drop, no qual doleiros remetem recursos ao exterior através de uma operação chamada de “dólar-cabo”, completamente fora do controle do Banco Central. Ele foi denunciado pelos doleiros Vinícius Vieira Barreto Claret, o “Juca Bala”, e Cláudio Fernando Barbosa, o “Tony”, que estavam presos havia mais de um ano e ontem foram liberados para cumprir prisão domiciliar, depois de entregarem o esquema.

A operação de “dólar-cabo” é amplamente utilizada, para remessa ilegal de divisas ao exterior, por um sistema que funciona na base da confiança: o doleiro recebe o dinheiro no Brasil e compensa no exterior, apagando os rastros da operação em paraísos fiscais. Dario está foragido, não foi encontrado no seu apartamento no Leblon, Zona Sul do Rio, nem no Paraguai, onde também há um mandado de prisão contra ele. Após o caso Banestado — maior escândalo de lavagem de dinheiro do Brasil —, Messer passou a operar do Uruguai e do Paraguai. Messer foi dono do banco EVG, de Antígua e Barbuda. Entre os nomes supostamente ligados a ele estão Alexandre Accioly e Arthur César de Menezes Soares Filho, o “Rei Arthur”, acusado de pagar propina a Cabral. Messer deixou a sociedade no banco em 2012, após desentendimento com Enrico Machado, outro dono do banco que também firmou delação premiada.

Outro peso-pesado envolvido na Operação “Câmbio, Desligo” é o chinês Wu-Yu Sheng, apontado como responsável por obter dinheiro em espécie do comércio da 25 de Março, no Centro de São Paulo, para a empreiteira Odebrecht, ou seja, a grana da propina em espécie. Segundo o Ministério Público Federal, a Odebrecht teria movimentado cerca de R$ 90 milhões entre 2011 e 2014, e R$ 110 milhões entre 2014 e 2016, por meio de Wu-Yu, que se mudou para Miami. O chinês teria feito acordo de delação premiada com as autoridades norte-americanas depois da delação premiada de Marcelo Odebrecht, o que pode dificultar sua extradição.

O colapso
Mas o que deixou em colapso o lado B do câmbio foi a ofensiva contra a família Matalon (Marco Ernet, Ernesto Patrícia e Bella Kayreh Skinazi), que atua no câmbio ilegal em São Paulo desde a década de 1990, em parceria com os Messer, do Rio. Os patriarcas Mordko Messer, dono da Antur Turismo, e Marco Matalon, dono da Rosetur, são velhos amigos. Até 2003, com a transferência das operações para o Uruguai, as duas famílias movimentaram grandes montantes de dólar paralelo no país. O famoso relatório da CPI do Banestado, que não chegou a ser votado, apontou a evasão de US$ 30 bilhões (cerca de R$ 99 bilhões) de uma agência de Foz do Iguaçu (PR) para contas do antigo banco estatal no exterior, ao final da década de 90, via CC-5, contas utilizadas por empresas multinacionais para transferir dinheiro para fora do país.

As operações feitas pela família Matalon eram liquidadas no Uruguai por Claret e Barbosa, cujos depoimentos deram base à operação desta quinta. Os dois operavam o dólar-cabo desde a década de 1980, em agências de turismo, mas os Matalon supostamente optaram por encerrar sua estrutura em São Paulo e terceirizar a entrega, recolhimento e pagamento das operações. Patricia Matalon, sobrinha do patriarca Marco Matalon, chegou a fechar acordo de colaboração premiada no âmbito do Banestado, mas voltou a operar com Barbosa. Entre 2014 e 2017, ela teria movimentado mais de US$ 2 bilhões (cerca de R$ 6,6 bilhões), servindo clientes que possuíam dólares no exterior e precisavam obter reais em espécie no Brasil para corromper agentes públicos.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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