Nas entrelinhas: O imaginário da Independência

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A construção do imaginário dos Inconfidentes está mais associada ao movimento republicano do final do século XIX do que à Independência do Brasil, que viria a ser proclamada por D. Pedro I

Aproveito o aniversário de Brasília, que completa hoje 62 anos, para falar da data escolhida por Juscelino Kubitschek para sua inauguração e dos heróis da Inconfidência. É uma história cruenta. No Brasil colonial, líderes rebeldes eram enforcados, esquartejados, e suas cabeças expostas em praça pública, por decisão das autoridades, como forma de intimidar os que desejavam se livrar do jugo português, das injustiças e da exploração.

Mesmo assim, o espírito de sedição era forte: no dia da morte do alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, líder da Conjuração Mineira, por exemplo, um sino tocou cinco vezes durante a execução, apesar das proibições; e a cabeça de Tiradentes foi roubada, na primeira noite de sua exposição, em Vila Rica, hoje Ouro Preto, frustrando a overdose de crueldade de sua sentença. A imagem de Tiradentes barbudo e cabeludo como Jesus Cristo faz parte do imaginário popular; no dia da sua execução, estava de cabeça raspada e sem barba. A casa de Tiradentes foi arrasada, o seu local foi salgado, as autoridades declararam infames todos os seus descendentes.

A construção do imaginário dos Inconfidentes, porém, está mais associada ao movimento republicano do final do século XIX do que à Independência do Brasil, que viria a ser proclamada por D. Pedro I, príncipe herdeiro de Portugal, em 7 de setembro de 1822, ou seja, há quase 200 anos. A conspiração liderada por Tiradentes nem sequer foi iniciada, foi denunciada e desbaratada antes mesmo de começar.

Em 18 de maio de 1789, seus líderes foram avisados de que a conspiração fora denunciada. Governador da capitania, Visconde de Barbacena já havia recebido seis denúncias, a principal do coronel Joaquim Silvério dos Reis, que ocupa o posto de maior traidor da nossa história. Era fazendeiro e dono de minas de ouro, muito endividado; traiu seus companheiros para se livrar do fisco.

Os mineiros estavam insatisfeitos com os excessivos impostos e com o rigor de Portugal, mas o que entusiasmou o grupo de conspiradores, entre os quais Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa, padre Carlos Correia de Toledo e o coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, foi o fato de que Minas Gerais havia se transformado no polo mais dinâmico da colônia, em condições de ser autossuficiente.

Luís da Cunha Meneses, primeiro governador de Minas Gerais (1783 e 1788), era corrupto e despótico; Luís Antônio Faro, o Visconde de Barbacena, assumira o cargo em 1788 para aumentar a cobrança de impostos, por meio da chamada “derrama” (cada região de exploração de ouro deveria pagar 100 arrobas de ouro (1.500 quilos) por ano para a metrópole; quando a região não conseguia cumprir essas exigências, soldados entravam nas casas das famílias para retirarem os pertences até completar o valor devido).

Imprensa

Era a senha para a fracassada revolta. A rebelião seria iniciada em Vila Rica e, depois, se espalharia por toda Minas Gerais, estendendo-se para as demais regiões do país. Pretendia-se fundar uma república nos moldes dos Estados Unidos, com eleições anuais, diversificação econômica, instalação de manufaturas, formação de uma milícia nacional, perdão das dívidas. A abolição da escravidão dividia o grupo. O pavilhão dos rebeldes era um triângulo vermelho num fundo branco, com a inscrição em latim: Libertas Quae Sera Tamen (Liberdade ainda que tardia).

A também chamada Inconfidência Mineira tornou-se o mito fundador da nossa independência somente por volta dos anos 1880. Para isso foram fundamentais os jornais mineiros: O Arauto de Minas (Conservador), editado de 17 de março de 1877 a 24 de dezembro de 1889, por Severiano Nunes Cardoso de Resende; a Pátria Mineira (Republicano), de abril de 1889 a maio de 1894, de Sebastião Sette; A Verdade Política (Liberal), de setembro de 1888 a dezembro de 1889, de Carlos Sanzio de Avellar Brotero, todos de São João Del Rei; e A Província de Minas (Conservador), de 1878 a novembro de 1889, de Pedro Maria da Silva Brandão e José Pedro Xavier da Veiga; A Atualidade (Liberal), de março de 1878 a novembro de 1881, de Carlos Afonso de Assis Figueiredo; e o Liberal Mineiro (Liberal), que funcionou de 1877 a 1889, sob comando de Carlos Gabriel Andrade e, depois, Bernardo Pinto Monteiro.

Minas Gerais tinha mais de 60 jornais nessa época, que aderiram à construção da imagem de Tiradentes em contraponto à de D. Pedro I, que proclamou a independência após se recusar a voltar para Portugal, como acabaria ocorrendo. Seu objetivo era, mais tarde, reunificar a Coroa portuguesa e, como a história comprovou, manter o tráfico negreiro e modelo econômico escravocrata, que perduraria até 1888. Os poemas do Romanceiro da Inconfidência, escrito por Cecília Meireles, em 1955, e as gravuras de Renina Katz consolidaram a imagem do Tiradentes Esquartejado (1893), óleo de Pedro Américo, ou seja, a do herói que hoje reverenciamos.