Nas entrelinhas: O fim do Bolsa Família

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“Pautado por medidas disruptivas dos programas sociais e decisões ultraconservadoras, o governo Bolsonaro não tem uma marca, exceto o dedo no gatilho no quesito segurança pública”

O ovo de Colombo do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi a fusão dos programas de transferência de renda herdados do governo de Fernando Henrique Cardoso, alguns originários do governo Sarney, num único programa: o Bolsa Família. A lógica do programa era a mesma, a focalização do gasto social nos mais pobres, em detrimento das políticas sociais universalistas, estratégia imposta pelo grupo social-liberal da equipe do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan à sua ala desenvolvimentista, porém, a escala foi ampliada.

Do ponto de vista do combate às desigualdades e da redistribuição da renda, o salário mínimo, a indexação das aposentadorias e as aposentadorias rurais tiveram e ainda têm um peso muito maior no combate à pobreza, mas, do ponto de vista da marca de um governo que se pretendia mais popular, o Bolsa Família foi um indiscutível sucesso de marketing político. Em todo o Brasil, mais de 14,1 milhões de famílias são atendidas pelo programa, ou seja, cerca de 56 milhões de pessoas. Vem daí a resiliência dos eleitores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e boa parte da sua capacidade de transferência de votos.

A primeira tentativa do governo Bolsonaro no sentido de capturar esse eleitorado foi manter o Bolsa Família, cujo valor médio hoje é de R$ 186,23, e agradar a seus beneficiados com uma parcela a mais do benefício, a 13ª Bolsa. A mudança, porém, não alterou o DNA do programa, daí a desejo de substituí-lo, a pretexto de incluir no sistema de proteção social oficial milhões de crianças brasileiras em situação de vulnerabilidade que não recebem benefício do governo federal.

A proposta está sendo analisada pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra, com base num estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) intitulado “Uma proposta para a unificação dos benefícios sociais de crianças, jovens e adultos pobres e vulneráveis”, divulgado ontem. A ideia é fundir o Bolsa Família, o Salário-Família, o Abono Salarial e a Dedução por Dependente no Imposto de Renda da Pessoa Física, políticas públicas voltadas à proteção da infância e dos vulneráveis à pobreza no país. Os pesquisadores Sergei Soares, Leticia Bartholo e Rafael Guerreiro Osório, autores do estudo, consideram o sistema de proteção social existente uma colcha de retalhos, construída ao longo dos anos, mas com buracos e sobreposições.

Nova marca

Segundo os dados oficiais, 1,6 milhão de crianças recebem Salário-Família e Bolsa Família, outras 400 mil crianças recebem Salário-Família e dedução no Imposto de Renda. Em contrapartida, de um total de 52 milhões de crianças no Brasil, 17 milhões não têm benefício social. O novo ovo de Colombo, porém, é a manutenção do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. Isso significa mais recursos para os mais pobres? Negativo, a ideia é redistribuir o montante atual, ou seja R$ 52,8 bilhões, mirando principalmente crianças e jovens.

O sistema teria três benefícios: um de R$ 45 reais por criança e jovem com menos de 18 anos de idade, universal e independente da renda; outro, de R$ 90 por criança de até quatro anos, pagos integralmente até a linha de elegibilidade e regressivo à medida que a renda aumentasse; e, finalmente, o terceiro, de R$ 44, pagos a todos na condição de extrema pobreza, com ou sem filhos.

Pautado por medidas disruptivas dos programas sociais, decisões ultraconservadoras em relação aos costumes, regressivas quanto ao meio ambiente e até mesmo obscurantistas em matéria de ciência, de educação e de cultura, o governo Bolsonaro não tem uma marca, exceto o dedo no gatilho no quesito segurança pública. Até mesmo a bandeira da ética, que embalou sua campanha e foi incorporada ao governo com a nomeação do ex-juiz Sérgio Moro para o Ministério da Justiça, por causa do caso Queiroz, está sendo esgarçada. Do ponto de vista da política econômica, a reforma da Previdência e a anunciada política de privatizações não são uma bandeira popular. No curto prazo, é difícil reverter o cenário de 11,8 milhões de desempregados, segundo os últimos dados oficiais.

Nada garante que as reformas da Previdência e tributária resolvam esse problema no curto prazo, até porque a inflexão feita na política econômica, depois do fracasso da política nacional-desenvolvimentista do governo Dilma, foi a troca de uma breve política social-liberal no governo Temer pela estratégia ultraliberal. O ministro da Fazenda, Paulo Guedes, fez doutorado na famosa Escola de Chicago e acompanhou de perto a reforma econômica do governo Pinochet, como professor da Faculdade de Economia e Negócios da Universidade do Chile, então sob intervenção, a convite de seu diretor, Jorge Seleme, secretário do Tesouro de Pinochet. Para ele, o mercado resolve.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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