Nas entrelinhas: O estelionato eleitoral

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“Quem vencer as eleições estará contingenciado pela dura realidade fiscal. Se não levá-la em conta, jogará o país numa nova recessão”

Enquanto avança a disputa entre os candidatos a presidente da República, o fosso entre as expectativas criadas junto aos eleitores e as possibilidades efetivas de atendê-las se aprofunda. Surgem soluções mágicas para o desemprego, o endividamento das famílias, a violência e a ineficiência dos serviços públicos na educação e na saúde, mas muito pouco se fala sobre os cinco anos de deficit fiscal e o ajuste a ser feito, necessariamente, por quem ganhar a eleição, inclusive a reforma da Previdência que aumente a idade mínima e unifique as aposentadorias de servidores públicos e demais trabalhadores. Ou seja, vem aí mais um estelionato eleitoral.

O reflexo imediato das incertezas quanto à crise de financiamento do Estado brasileiro é a alta do dólar, que alcançou o maior valor da história do real: ontem, fechou negociado a R$ 4,19. A corrida pela moeda norte-americana é influenciada pelo cenário internacional desfavorável aos países emergentes. A guerra comercial e a alta dos juros protagonizada pelos Estados Unidos fazem a festa para os especuladores. E as promessas mirabolantes dos candidatos para seduzir os eleitores não ajudam a acalmar o mercado. Quem vencer as eleições estará contingenciado pela dura realidade fiscal. Se não levá-la em conta, jogará o país numa espiral de inflação alta e nova recessão. A maior prova disso é a lenta recuperação da atividade econômica no governo Temer, que está associada diretamente ao deficit fiscal. O atual governo conseguiu controlar a inflação e sair da recessão, mas não obteve taxas de crescimento capazes de resolver o problema do desemprego. O deficit fiscal de R$ 159 bilhões previsto para este ano barra o crescimento.

Vejamos, por exemplo, as promessas de campanha do candidato do PT, Fernando Haddad, que anuncia um cenário de bonança. O petista promete retomar o fio da história a partir do governo Lula, que registrou crescimento de 7,5% em 2010. Isso somente foi possível porque a economia estava anabolizada pela superoferta de crédito, pelas isenções fiscais e pelos subsídios das tarifas de energia e combustível. A tentativa de manter essa rota foi chamada de “nova matriz econômica” e levou o país ao colapso no governo Dilma Rousseff. Além disso, as condições favoráveis àquele regime de pleno emprego deixaram de existir: a forte expansão da economia mundial foi interrompida com a crise do mercado financeiro de 2008, o superavit fiscal herdado do governo de Fernando Henrique Cardoso foi canibalizado, e o bônus demográfico, que aumentou a renda média das famílias com a redução do número de dependentes, foi abduzido pela crise da seguridade social.

Haddad anunciou, ontem, a proposta de zerar as dívidas dos consumidores, macaqueando a proposta do candidato do PDT, Ciro Gomes, que prometeu limpar o nome de todos os endividados no SPC. Promete a retomada da “nova matriz econômica” do programa do PT. Ao mesmo tempo, sinaliza para o mercado que pretende convidar para o Ministério da Fazenda o economista Marcos Lisboa, um dos críticos da política de Dilma Rousseff, que fez parte da equipe do ministro Antonio Palocci no começo do governo Lula. Haddad faz campanha como se fosse sósia do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, nos bastidores, manda recado para o mercado financeiro de que pretende adotar a tática do violino: segurar o governo com a esquerda para tocar a política econômica com a direita.

Teto de gastos

Presidente do Insper, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia, Marcos Lisboa foi professor da Universidade de Stanford e diretor-executivo e vice-presidente do Itaú-Unibanco de 2006 a 2013. Fez duras críticas ao governo Dilma em 2015: “A causa imediata da grave crise é o desequilíbrio fiscal e a tendência de aumento da dívida pública, que significa risco para a sustentabilidade das contas públicas nos próximos anos. As razões desse desequilíbrio não se resumem apenas às escolhas de política econômica dos últimos anos, ainda que essas escolhas o tenham agravado. O gasto público no Brasil apresenta uma tendência de crescimento maior do que o da renda nacional, decorrente de diversas regras legais e da transição demográfica. A população idosa cresce 4% ao ano, enquanto a população em idade ativa cresce apenas 1% ao ano, implicando a necessidade de aumento contínuo da carga tributária para preservar os benefícios previdenciários previstos”.

Para Marcos Lisboa, reverter a trajetória de crescimento do gasto passa pela reforma da Previdência, com adoção de observadas nos países desenvolvidos e a eliminação dos regimes especiais. O economista defende regras de vinculação dos gastos públicos ao aumento da renda nacional e ao aumento da produtividade, o que requer uma extensa agenda de reforma das políticas públicas adotadas no governo Lula e a manutenção da lei do teto de gastos. É difícil acreditar que venha a ser ministro da Fazenda de um eventual governo petista, a não ser que Haddad faça mesmo uma ruptura com as políticas que vem defendendo na campanha eleitoral.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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