A entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Mônica Bérgamo, da Folha de S.Paulo, é um gesto de desespero: o petista sabe que não pode mais ser candidato a presidente da República, mas ainda não se retira da disputa porque acredita que isso seria uma maneira de evitar a prisão imediata, em razão da condenação a 12 anos e 1 mês de reclusão em regime fechado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre. Somente os petistas ainda se agarram à candidatura impossível com unhas e dentes, na esperança de conseguir a renovação dos respectivos mandatos, graças ao espólio eleitoral do ex-presidente. Os aliados tradicionais, porém, estão se afastando de Lula e querem compartilhar o espólio.
A troca de farpas entre Lula e o pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, ontem é a demonstração cabal deste processo. A vantagem estratégica de Lula nas eleições de 2018, se não fosse impugnado, seria o Nordeste, onde suas alianças com os caciques do MDB que haviam apoiado o impeachment de Dilma Rousseff estavam sendo até recompostas. Com Lula fora da eleição, a alternativa do PT seria lançar a candidatura de Jaques Wagner, ex-governador Bahia, que poderia ter um bom desempenho nos demais estados nordestinos e no Rio de Janeiro, onde nasceu. Entretanto, Wagner também está enrolado na Operação Lava-Jato, o que abre espaço para Ciro Gomes crescer nas pesquisas a partir do Nordeste, capturando os eleitores de Lula. Não é outra a razão de o petista ter dito que o ex-governador do Ceará anda falando demais. Macaco velho, Ciro tirou por menos, disse que tem coração e respeita o infortúnio de Lula. Não vai brigar com os eleitores do petista, que pretende seduzir.
Mas não é apenas o candidato do PDT que se aproveita da inelegibilidade de Lula. A pré-candidatura à Presidência da República do coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Guilherme Boulos, será lançada sábado, em São Paulo, pelo PSol. Era um dos aliados de Lula na sua guinada à esquerda, tendo protagonizado as mobilizações contra o impeachment de Dilma Rousseff. O cantor Caetano Veloso, a produtora cultural Paula Lavigne, o arquiteto Nabil Bonduk, a deputada Luiza Erundina, o franciscano Frei Betto, a cineasta Marina Person e a escritora Antonia Pellegrino, entre outros artistas e intelectuais, confirmaram presença no lançamento. Boulos fragiliza o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, outra alternativa do PT para substituir Lula.
Mas o maior dos problemas do PT é a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL), o nome de extrema-direita: uma parte dos eleitores de Lula de mais baixa renda, segundo todas as pesquisas, migra para ele. Esse deslocamento é ainda mais preocupante, porque ocorre de forma generalizada, mas sobretudo no Nordeste. Há muitas controvérsias sobre as razões deste fenômeno, mas parece que o principal vaso comunicante é o fato de que os dois fazem uma oposição radical ao governo Temer, o que sensibiliza parcela do eleitorado de baixa renda que mais sofreu com a recessão e ainda se encontra desempregada.
Diante dessas forças centrífugas, a reação petista é de perplexidade. Ninguém sabe o que vai acontecer nas eleições se Lula não for candidato. O trauma das eleições municipais, nas quais o PT colheu seu maior retrocesso eleitoral, está vivo na memória dos petistas, que temem sofrer outro baque. Sem alternativa, a legenda aposta na politização dos processos judiciais e na manutenção da candidatura de Lula, até o Tribunal Superior Eleitoral negar o registro da chapa. Seria uma maneira de estancar a sangria. Entretanto, nada garante que isso aconteça caso Lula seja preso. Solto, pode ainda fazer campanha pelo país e escolher um poste. Nas pesquisas, Dilma Rousseff ainda é o nome de maior prestigio eleitoral que o PT teria a oferecer, para perder a eleição, mas manter a narrativa.
A pedidos
O presidente Michel Temer concedeu entrevista ontem à Super Rádio Tupi, na qual negou, mais uma vez, que tenha a intenção de se candidatar a presidente da República. Perguntado se poderia mudar de ideia, disse ao comunicador Clóvis Monteiro, em tom de brincadeira, que só o faria se ele voltasse ao Planalto e pedisse. Temer justificou a intervenção federal na segurança fluminense: “O Rio é uma vitrine para o Brasil, não só para o público externo, mas para o nosso povo (…) então nós dissemos ‘precisamos providenciar uma intervenção, mas uma intervenção limitada’. E também não queríamos fazer uma coisa que agredisse o governo e o governador”.
Publicado em 3 de março de 2018 no Correio Braziliense
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