Nas entrelinhas: O direito do eleitor

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A ideia de que a democracia representativa já era e que a democracia direta é a única alternativa para resolver os problemas da sociedade é falsa

O melhor da democracia brasileira, que atravessa a sua maior crise desde a redemocratização, é o eleitor. O cidadão que exerce o seu legítimo direito de voto, mesmo que seja para votar nulo. E nosso sistema de votação direta, secreta e universal, à prova de fraudes, que permite a apuração de seu resultado no mesmo dia, seja no mais longínquo município da Amazônia, seja na maior capital do país. Tanto nas eleições municipais, como as que se realizam hoje, como na disputa pela Presidência da República. Somos a maior democracia de massas do mundo, primeiro lugar em eficiência no quesito apuração.

No primeiro turno das eleições, em alguns estados e municípios, a presença das Forças Armadas foi necessária para garantir o exercício do voto pelos eleitores, por causa da ação de traficantes e, em raríssimos municípios, a violência de disputas locais. A novidade do segundo turno, em alguns dos 57 municípios onde ele ocorrerá, sendo 18 capitais, é a ocupação de escolas por jovens estudantes, nas quais funcionariam seções eleitorais. Em consequência, muitas dessas seções foram transferidas de local e os eleitores estão desorientados, sem saber onde votar, o que pode afetar o resultado da eleição devido ao aumento do índice de abstenção. Em alguns estados, houve acordo com a Justiça Eleitoral e as seções foram mantidas, mas se os estudantes interferirem no pleito haverá desocupação forçada, ou seja, um risco de tumulto maior ainda.

Esse assunto é objeto de polêmica e merece ser examinado. O primeiro aspecto a se considerar é a mobilização dos jovens, que reproduzem um movimento ocorrido em São Paulo para barrar a reestruturação do ensino do segundo grau, obrigando o governador Geraldo Alckmin a recuar. Agora, o movimento se estende a vários estados e atinge mais de mil escolas, em razão da mudança dos currículos escolares do segundo grau por medida provisória. O movimento ganhou força e, aparentemente, nesta semana, atrapalhar o pleito virou seu objetivo, muito mais do que discutir a qualidade do ensino no país. Isso suscita a discussão sobre a democracia representativa e a democracia direta, muito além do direito de os jovens protestarem.

Há uma inquietação natural dos jovens com a situação do país. Essa inquietação explodiu às vésperas da Copa do Mundo, em 2013, nas principais cidades do país, inicialmente contra a elevação das passagens de ônibus. O padrão de mobilidade urbana das cidades brasileiras e o pacto perverso entre empresários de transportes e administradores públicos entraram em xeque. Num segundo momento, o protesto se tornou difuso e contra os partidos políticos. Depois, a maioria dos jovens aderiu à campanha pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. Outra parcela, porém, hoje engrossa as manifestações contra o presidente Michel Temer.

Por trás dos protestos existe uma realidade objetiva. Nossos jovens estão sem perspectiva por causa da recessão, do desemprego, da péssima qualidade de ensino e do despreparo profissional. Essa situação deriva para toda sorte de manifestações, que vão dos rolezinhos dos garotos da periferia aos protestos dos jovens secundaristas de classe média. É aí que militantes de partidos de esquerda, principalmente PCdoB, PT, PSol e PSTU, disputam a liderança e protagonizam a politização e radicalização do movimento com intuito de partidarizá-los.

Frustrações
Numa situação de crise ética, econômica e política, a insurgência juvenil é previsível e é um sintoma de que as coisas estão ficando mesmo insuportáveis. Mas isso não significa que suas ações sejam sempre positivas e inquestionáveis, muito pelo contrário. Vejamos o caso da ocupação das escolas que seriam utilizadas para a realização das votações. É justo que um pequeno número de estudantes, por mais que estejam insatisfeitos com qualidade do ensino e suas condições materiais, impeçam que milhares de eleitores possam votar onde tradicionalmente comparecem às urnas? É claro que não. Trata-se de um procedimento antidemocrático.

Com os partidos políticos desmoralizados e os governantes desaprovados pela sociedade, são justificáveis a apatia, o desinteresse e as frustrações dos jovens. Toda uma geração entra em crise de identidade, não se sente representada na política tradicional. As possibilidades de acesso ao conhecimento, à cultura e ao lazer também são afetadas pela crise. Entretanto, os jovens são questionadores, não têm rabo preso e sempre querem mudar o mundo. Quando o presente lhes fecha a porta do futuro, pulam janelas e muros.

Nada disso, porém, justifica agressões ao Estado de direito democrático e o desrespeito ao eleitor. A ideia de que a democracia representativa já era e que a democracia direta é a única alternativa para resolver os problemas da sociedade é falsa, que o digam os plebiscitos da Inglaterra e da Colômbia, nos quais foram rejeitados a União Europeia e o fim da guerrilha nas selvas colombianas. Esse equívoco está sendo alimentado pela narrativa do golpe de Estado e a tentativa de desestabilizar o governo Temer por parte das forças que foram apeadas do poder pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. Derrotadas nas eleições municipais, tais forças revelam, mais uma vez, a falta de compromisso com a democracia.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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