“A trajetória de Maluf foi marcada por escândalos e denúncias de corrupção, mas o político paulista sempre conseguia se safar na Justiça. Era símbolo da impunidade e da compra de votos e de aliados”
Depois de muito protelar, ontem, a Mesa da Câmara cassou o mandato do deputado Paulo Maluf (PP-SP), por unanimidade. Ele havia perdido os direitos políticos em razão de condenação pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por lavagem de dinheiro, em maio de 2017. Em março deste ano, por razões humanitárias, o ministro Dias Toffoli autorizou que Maluf cumprisse prisão domiciliar. Estava preso desde dezembro do ano passado no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. Em fevereiro, fora afastado do cargo pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Aos 86 anos, Maluf encerra um ciclo político iniciado na abertura do regime militar, quando se elegeu governador de São Paulo em eleição indireta, contra a vontade do presidente Ernesto Geisel, que apostava na eleição de Laudo Natel, de quem Maluf havia sido secretário de Transportes no começo dos anos 1970. Geisel subestimou a capacidade de articulação do então presidente da Associação Comercial de São Paulo, que visitou um a um os 1.261 delegados à convenção da Arena e, por isso, foi escolhido o candidato governista, por 617 votos, contra os 589 obtidos por Natel.
Ligado ao ex-ministro do Exército Sílvio Frota, Maluf foi uma invenção política do ex-ministro da Fazenda Delfim Neto, que se encantou com sua gestão à frente da Caixa Econômica Federal, na qual ampliou a oferta de serviços e criou o financiamento da casa própria. Por influência do então ministro da Fazenda, Costa Silva nomeou Maluf para a prefeitura de São Paulo, a contragosto do então governador, Abreu Sodré. Foi na prefeitura que construiu a imagem de tocador de grandes obras, a maioria viárias, como o polêmico Minhocão, trechos importantes das Marginais Tietê e Pinheiros e vários viadutos e avenidas.
Repetiu a estratégia no governo de São Paulo, onde executou grandes obras, abriu estradas e pavimentou o caminho para disputar a Presidência da República. Em 1982, renunciou ao mandato e concorreu à Câmara, sendo eleito por 672.927 eleitores, o mais votado do país. No Congresso, Maluf iniciou a estratégia para se tornar o candidato a presidente da República do PDS (antiga Arena), na sucessão do general João Figueiredo. Com os mesmos métodos de abordagem individual de delegados que usara em São Paulo, conseguiu derrotar, na convenção do partido, o candidato do Palácio do Planalto, o ex-ministro dos Transportes Mario Andreazza, que havia se notabilizado em razão da construção da Ponte Rio-Niterói e da Rodovia Transamazônica.
A emenda das eleições diretas havia sido derrotada no Congresso, apesar do grande apoio popular, e a escolha do futuro presidente se deu de forma indireta, no colégio eleitoral, no qual o PDS tinha maioria de votos. Ocorre que o candidato do PMDB era Tancredo Neves, o governador de Minas, uma velha raposa do antigo PSD, que recebeu o apoio velado de outro veterano pessedista, Amaral Peixoto, então presidente do PDS; do vice-presidente Aureliano Chaves, que havia sido preterido por Figueiredo; e dos caciques regionais Antônio Carlos Magalhães, Marco Maciel e José Agripino, que fundaram o antigo PFL. José Sarney saiu do PDS e se filiou ao PMDB para ser vice na chapa de Tancredo; acabou assumindo a Presidência com a morte de Tancredo.
Persistência
A derrota não afastou Maluf da política. Disputou e perdeu a prefeitura de São Paulo para Luiza Erundina, então no PT, em 1988. No ano seguinte, se lançou candidato a presidente da República pelo PDS, ficando em quinto lugar, mas apoiou Collor de Mello no segundo turno. Em 1990, bateu na trave na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, pois venceu o primeiro turno e perdeu no segundo para Luiz Antônio Fleury (PMDB). De tanto insistir, em 1992, se elegeu prefeito de São Paulo, derrotando o petista Eduardo Suplicy. E, depois, conseguiu eleger seu ex-secretário de Fazenda Celso Pitta como sucessor, mas deu errado. Foi o pior prefeito que São Paulo já teve.
Mesmo assim, Maluf não desistiu. No ano 2000, com rejeição de 66% dos paulistanos, foi derrotado por Marta Suplicy (PT), a quem chamou de desqualificada e levou um sabão. “Cala a boca, Maluf!” — a resposta de Marta — virou um bordão de campanha e ela ganhou a eleição com 58,51% dos votos. Maluf voltou a concorrer à prefeitura em 2004, desta vez perdendo para José Serra. Teve 12%. Na eleição seguinte, também para a Prefeitura em 2008, sua votação caiu para 5,1%. Mesmo com capital político reduzido, Maluf continuou no jogo. Seu “gran finale” foi na campanha de 2012: retirou sua candidatura e decidiu apoiar o petista Fernando Haddad (PT), num acordo com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a então presidente Dilma Rousseff.
A trajetória de Maluf foi marcada por escândalos e denúncias de corrupção, mas o político paulista sempre conseguia se safar na Justiça. Era um símbolo da impunidade e da utilização de recursos públicos na compra de votos e de aliados, para a qual estabeleceu um padrão quase inexpugnável. Somente foi condenado por lavagem de dinheiro, em 2017, pelo Supremo Tribunal Federal. Em 2005, chegou a ser preso preventivamente, por 40 dias. Também teve um mandado de prisão expedido pela Interpol, em 2010, a pedido da promotoria de Nova York. Ninguém tem o direito de dizer que se enganou com Maluf, nem que ele mudou ao longo de sua trajetória política. Quem mudou foram os antigos desafetos.
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