“Diplomatas experientes e especialistas avaliam que a política externa de Bolsonaro levou o Brasil ao isolamento. Seu discurso na ONU aprofunda essa situação”
São raros os momentos na história do Brasil em que o país andou para trás. Sem dúvida, um deles foi no segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, quando mergulhamos numa recessão sem precedentes, cujo ônus até hoje não foi revertido. Mais raros ainda são os momentos em que o país diminuiu de tamanho em relação às demais nações do mundo. Ontem foi um dia assim, em razão do agressivo e radical discurso do presidente Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), na qual reiterou posições ultraconservadoras, antiambientalistas e antiglobalistas.
Por suas dimensões continentais e mérito de nossa diplomacia, todo presidente brasileiro goza do privilégio de abrir a Assembleia-Geral da ONU. É um legado de gerações de diplomatas, que todo presidente da República, inclusive os militares, procuraram honrar. Essa tradição começou na segunda Assembleia-Geral da história, quando discursou o então ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha.
Seja para evitar as tensões entre Estados Unidos e União Soviética, que começavam a se estranhar na famosa Guerra Fria, seja pelo fato de o país ter ficado de fora do Conselho de Segurança, não se sabe ao certo, esse privilégio se manteve ao longo dos anos, sem que houvesse qualquer texto ou norma da ONU que determine a sua obrigatoriedade. Por isso mesmo, a tradição é o Brasil buscar um ponto de equilíbrio, um posicionamento que corresponda ao consenso majoritário, fugindo dos confrontos entre as nações.
O que se viu ontem, porém, foi o presidente brasileiro fazer um discurso duro, quase belicoso, que elegeu como adversários os índios, os ambientalistas, alguns líderes europeus e seus adversários de sempre: os líderes da Venezuela, de Cuba e dos partidos que integram o Foro de São Paulo. Foi um discurso para o público bolsonarista, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e outros líderes conservadores com os quais se alinha. Nossos mais experientes diplomatas, de forma pública ou velada, não escondem o desconforto com o teor do discurso de Bolsonaro. Foi um tiro no próprio pé.
Entre diplomatas experientes e especialistas em relações internacionais, é quase unânime a avaliação de que a política externa de Bolsonaro levou o Brasil ao isolamento. Seu discurso na ONU aprofundará essa situação, em especial por causa da questão ambiental e do confronto aberto com o presidente francês, Emmanuel Macron, que lidera a Cúpula da Clima. Seu alinhamento incondicional com Donald Trump na política internacional parece coisa daquele menino encrenqueiro que arruma confusão porque conta com a proteção de um primo grandalhão. Não é assim que as coisas funcionam na política externa.
Aliados na berlinda
Bolsonaro deveria prestar mais atenção ao que acontece com seus aliados mais importantes, antes de confrontar os principais chefes de Estado do Ocidente. Matteo Salviani, o primeiro-ministro da Itália, tentou antecipar as eleições e acabou perdendo o cargo. Em Israel, Benjamin Netanyahu, do Likud, corre o risco de perder o cargo de primeiro-ministro para Benny Gantz, do Azul e Branco, que topa fazer um governo de coalizão, mas, com apoio dos partidos árabes, quer ser o primeiro-ministro. Na Inglaterra, o novo primeiro-ministro, Boris Jonhson, tentou suspender o Parlamento na marra, para impor o Brexit sem acordo com a União Europeia, porém acabou levando uma invertida da Suprema Corte britânica, que considerou sua decisão inconstitucional, o que agora pode lhe custar o cargo.
Para completar o inferno astral dos aliados, o presidente norte-americano Donald Trump, que discursou na ONU logo após Bolsonaro, recebeu a notícia de que a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos abriu um processo de impeachment contra ele. Segundo a deputada democrata Nancy Pelosi, por telefone, Trump teria pressionado o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, para que este investigasse o filho de um de seus principais adversários, Joe Biden. “Isto é uma quebra da Constituição americana”, afirmou a presidente da Câmara.
O tipo de diplomacia praticada por Bolsonaro tem desses problemas. Relações entre países devem ser duradouras e estruturantes, não podem se basear apenas no relacionamento pessoal e afinidade ideológica dos governantes. Bolsonaro critica os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff por privilegiar aliados políticos por razões ideológicas, sem levar em conta os reais interesses do Brasil. Está fazendo a mesma coisa com sinal trocado, com a diferença de que, em vez de ampliar as relações diplomáticas, está se isolando.
O alinhamento automático com Trump, por exemplo, é uma armadilha em termos de comércio mundial, pois a guerra cambial entre os Estados Unidos e a China não é um bom negocio para o Brasil, que hoje tem nos chineses nossos principais parceiros comerciais. Esse é um dos fatores de redução dos investimentos no Brasil, por causa da retração do crescimento mundial provocado por essa guerra comercial.