Sim, árabes e judeus são semitas. Na Antiguidade, fenícios, hebreus, babilônicos, arameus e outros se deslocaram da Península Arábica para a Mesopotâmia, 3 mil anos antes de Cristo
O movimento negro brasileiro consolidou o conceito de racismo estrutural e desconstruiu a tese de que o Brasil é uma democracia racial, devido à miscigenação e ao voto direto, secreto e universal, que garante a negros, mulatos e pardos — classificação agora considerada “politicamente incorreta” — os mesmos direitos políticos da “elite branca”. O racismo estrutural, porém, limita o alcance desses direitos do ponto de vista econômico, social e mesmo político, se considerarmos as estruturas de poder.
Consiste na organização da sociedade de maneira a que privilegie um grupo de certa etnia ou cor em detrimento de outro, percebido como subalterno. A exclusão e discriminações complexas mascaram o fenômeno. O racismo estrutural é uma forma de exploração e opressão, enraizada na estrutura social e nas relações institucionais, econômicas, culturais e políticas.
Uma outra forma de racismo estrutural é o antissemitismo, que tem características completamente diferentes, porque não está associado à condição econômica e social subalterna, ao contrário, mas à condição étnica, especificamente, e ao preconceito cultural. Enquanto em relação aos negros, o racismo vem dos tempos da escravidão, no início do século XVI, o nosso antissemitismo tem origem na atuação da Inquisição católica, nos tempos da Reconquista, que expulsou árabes e judeus da Península Ibérica.
Sim, árabes e judeus são semitas. Na Antiguidade, fenícios, hebreus (judeus), babilônicos, arameus e outros se deslocaram da Península Arábica para a Mesopotâmia, 3 mil anos antes de Cristo. O termo semita como designação para esses povos do Oriente Médio foi cunhado pelo historiador alemão August Ludwig von Schloezer, em 1871, a partir de referências bíblicas. Apesar das diferenças religiosas e étnicas, segundo o Antigo Testamento, todos eram descendentes de um dos três filhos de Noé: Sem.
Entretanto, o termo antissemitismo é usado para designar o ódio e a aversão contra judeus por conta dos eventos históricos que resultaram na migração desses povos para vários cantos do mundo, como aconteceu com as famílias sefarditas na Espanha e Portugal. A primeira sinagoga das Américas, a Kahal Zur Israel (Rocha de Israel), foi fundada no Recife, em 1641, durante a dominação holandesa (1630-1657), pelo rabino luso-holandês Isaac Aboab da Fonseca. Com a derrota dos invasores holandeses na Batalha dos Guararapes, os judeus migraram de Pernambuco para Nova Amsterdã, atual Nova York, onde formaram a Congregação Shearith Israel, a primeira sinagoga da América do Norte.
Sionismo
O surgimento do movimente sionista no século XIX, em resposta à diáspora e à milenar perseguição aos judeus, com objetivo de reocupar a Palestina e construir um Estado-nação, apartou árabes e judeus. Sion significa Jerusalém, a cidade sagrada para os judeus, muçulmanos e cristãos, cujo lado oriental, que era administrado pela Jordânia, foi ocupado por Israel em 1967, na Guerra dos Seis Dias.
Sempre houve resistência ao sionismo entre os judeus, principalmente entre os judeus assimilados da Europa. A filósofa judia-alemã Hannah Arendt chegou a participar do movimento sionista, mas se desvinculou na década de 1940. Autora de A Condição Humana e Raizes do Totalitarismo, Arendt cunhou a expressão “banalidade do mal”para explicar o Holocausto, ao descrever o julgamento do criminoso nazista Adolf Eichmann.
Seqüestrado num subúrbio de Buenos Aires por um comando israelense, em 1960, Eichmann foi levado para Jerusalém. No mais importante julgamento de um criminoso nazista depois do tribunal de Nuremberg, em vez do monstro sanguinário, surgiu um burocrata medíocre e carreirista, incapaz de refletir sobre os próprios atos ao receber uma ordem. Para Arendt, o processo desnudou a capacidade de o Estado transformar o exercício da violência homicida em organogramas e mero cumprimento de metas.
O julgamento legitimou a grande vitória sionista que fora a criação do Estado de Israel, pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948, com objetivo de evitar um novo Holocausto, como o perpetrado pelo líder da Alemanha nazista, Adolph Hitler, na Segunda Guerra Mundial. Entretanto, os palestinos (de maioria muçulmana), que já viviam no atual território de Israel, não aceitaram a hegemonia judaica. Desde então, conflitos e guerras inviabilizaram a criação de um Estado palestino.
O radicalismo político e religioso de ambas as partes inviabilizou todos os acordos. No atual conflito, o ataque terrorista do Hamas, inimaginável e inaceitável, não justifica o que ocorre em termos humanitários em Gaza, onde a população civil está sem água, energia elétrica, combustível, alimentos e remédios, forçada ao êxodo por bombardeios indiscriminados do Exército israelense.
O pior é que essa crise desperta o antissemitismo em quase todos os lugares. No caso do Brasil, árabes e judeus se integraram à vida nacional e convivem em harmonia, traduzem sua cultura para a nossa realidade (viva o Arranco de Varsóvia!), sem chauvinismo nem perda de identidade. É uma conquista civilizatória à qual não devemos nunca renunciar.