Nas entrelinhas: O andar da Lava-Jato

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O programa de algoritmo do STF foi elaborado de tal forma que os ministros com menos processos têm mais chances de serem sorteados

O Andar do Bêbado (Zahar), do físico americano Leonard Mlodinow, é uma boa leitura para começar a semana na qual o novo relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Edson Fachin, iniciará o trabalho. O sorteio de seu nome ensejou uma série de teorias conspiratórias porque era o preferido da presidente da Corte, Cármem Lúcia, para substituir o ministro Teori Zavasvki, que morreu em um trágico acidente de avião. Denise Rothenburg, aqui no Correio, antecipou a manobra regimental feita no STF para que Fachin pudesse ser o relator.

Mlodinow explica por que as pessoas custam a aceitar o acaso e a compreendê-lo. E como muitas pessoas, por não compreendê-lo, acabam tomando as decisões erradas. O livro trata da aleatoriedade, da sorte e da probabilidade. Nos ajuda a compreender certas coisas que parecem acaso, mas são previsíveis como o próximo passo de um bêbado depois de uma noitada. Obra de divulgação científica, O andar do bêbado associa a matemática à física, à sociologia, à psicologia e à economia e analisa vários casos de sucesso pessoal nos esportes, no cinema e na ciência.

Um dos mais emblemáticos é o do ganhador do prêmio Nobel de Economia de 2002, o psicólogo Daniel Kahneman, autor do livro Duas formas de pensar; rápido e devagar (Objetiva), no qual o psicólogo analisa a relação entre o pensamento rápido, intuitivo e automático (Sistema 1) e a reflexão, a racionalização e a solução de problemas complexos (Sistema 2, mais lento e um preguiçoso nato). Muitas vezes, as respostas automáticas são certeiras, mesmo que fujam à lógica.

Durante o treinamento de um grupo de instrutores de voo, Kahneman disse aos alunos que deveriam ser elogiados quando conseguissem um resultado positivo. A plateia reagiu dizendo que, sempre que isso acontecia, os alunos pioravam de desempenho. Kahneman concluiu que estava havendo uma “regressão à média”: os alunos têm momentos bons e ruins, mas a média de desempenho era constante. Quando o desempenho é particularmente bom, é natural que os resultados seguintes não sejam tão bons. Os elogios não têm nada a ver com isso. Essa aleatoriedade era despercebida e rendeu o Prêmio Nobel a Kahneman.

A intuição falha quando trata das probabilidades. Mlodinow foi diagnosticado com HIV, mas o médico havia cometido um erro clássico da Teoria de Bayes: confundiu a probabilidade condicionada de o exame dar positivo se o paciente não for HIV positivo (que é muito baixa) com a probabilidade de ele não ser HIV positivo mesmo se o exame der positivo (que não é tão baixa assim). É preciso levar em conta as outras variáveis, como a probabilidade de uma pessoa do mesmo grupo do autor (hábitos, uso de drogas, comportamento sexual) ter HIV. Isso muda o cálculo.

Cada um de nós é um ser complexo e independente, mas em sociedade, porém, nosso comportamento é matematicamente previsível. O número de acidentes de trânsito pode ser previsto pela estatística, assim como as taxas de natalidade e mortalidade e até mesmo o nível de infestação das epidemias de dengue e chicungunha. A probabilidade condicionada aumenta essa previsibilidade. Por exemplo, um baralho tem 52 cartas. Ao retirar uma carta, a probabilidade de sair um rei é de 4/52, ou 1/13. No entanto, se alguém retira uma carta e nos diz que é uma figura, a probabilidade de ser um rei é de 4/12, ou seja, 1/3.

Como Bruce Willis
No velório de Teori Zavascki, em Porto Alegre, a conversa entre ministros do Supremo, advogados e políticos era sobre o novo relator da Lava-Jato, como nos revelou Denise Rothenburg. Havia um consenso de que o nome de perfil mais suave para substituí-lo era do ministro Fachin, mas para isso era preciso que ele trocasse de Turma. Para passar da Primeira para a Segunda Turma, Fachin precisou apenas da concordância dos colegas mais antigos, que tinham precedência caso desejassem fazê-lo. A presidente do STF, ministra Cármem Lúcia, ajudou Fachin ao fazer o sorteio da relatoria da Lava-Jato entre os integrantes da Segunda Turma e não do pleno do Supremo. Nenhum deles, a rigor, se consideraria impedido; mas, com isso, a probabilidade de Fachin ser sorteado mudou de 1/11 para 1/5.

Deu Fachin. Muitos acham que houve “armação”, mas não é o caso. Três assessores da presidência da Corte acompanharam o sorteio, que será auditado em junho. O que aconteceu? O programa de algoritmo do STF foi elaborado de tal forma que os ministros com menos processos têm mais chances de serem sorteados. Fachin foi beneficiado pela lei da probabilidade condicionada, quase de 1/1, pois Teori estava sem receber processos por causa da relatoria da Lava-Jato. A decisão estratégica foi a troca de Turma. Fachin era o cara certo, na hora certa, no lugar certo. Como Bruce Willis longe Broadway, ao fazer o teste para substituir o ator coadjuvante da série norte-americana de televisão A gata e o rato (Moonlighting), numa cidadezinha da California. Dos 17 aos 30 anos, o ator venceu a gagueira como ator de teatro. Seu sonho era brilhar em Hollywood.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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