O “fogo amigo” da bancada petista contra a política econômica de Haddad está em certa sintonia com as declarações do presidente Lula. Até agora, apesar disso, Haddad tem conseguido avançar
Um dos fatores de sucesso do Plano Real foi a blindagem da política econômica, especialmente do então ministro da Fazenda, Pedro Malan. Quem trombou com ele, acabou defenestrado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Foi o que aconteceu com Clóvis Carvalho, que havia deixado a Casa Civil para assumir o Ministério do Desenvolvimento. Durou três meses no cargo.
Vale revisitar o episódio. Carvalho havia cobrado mais ousadia da equipe econômica e criticara Pedro Malan por “excesso de cautela”. O ministro da Fazenda não gostou e exigiu uma atitude mais firme em relação ao “fogo amigo” no governo. FHC pretendia resolver o problema com uma boa conversa. Logo se deu conta de que corria o risco de ficar sem Malan e, mesmo que isso não acontecesse, sua autoridade sairia arranhada.
A política econômica estava blindada pelos aliados do chefe do Executivo no Congresso. O então presidente do PFL, Jorge Bornhausen (SC), defendia a rápida substituição de Carvalho. O presidente do então PMDB, Jader Barbalho (PA), também apoiava a demissão. O então ministro Aloysio Nunes Ferreira (Secretaria-Geral da Presidência) reforçou a blindagem ao afirmar que o substituto seria alguém que somasse com Malan. O nome escolhido era o de Alcides Tápias (Camargo Correia).
Carvalho ainda tentou evitar sua saída do governo, refugou o pedido de demissão na conversa com Pedro Parente, que havia assumido a Casa Civil em seu lugar e, de mando, sugeriu que pedisse para sair: “Não aceito falar com intermediários”. Chamado ao Palácio do Planalto, a conversa com FHC foi telegráfica: “Você sabe que estou no governo por sua causa. Se você entender que, para o projeto continuar bem, eu deveria sair dele, coloco meu cargo à disposição”, disse o ministro. “Eu preciso do cargo”, disse o presidente da República.
O atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, melhorou muito seu relacionamento com os agentes econômicos, apesar do contencioso com o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, por causa da taxa de juros de 13,75% (Selic). Mas o “fogo amigo” no governo continua. Só agora caiu a ficha de que a proposta de arcabouço fiscal apresentada pela equipe econômica deve ser defendida em vez de atacada pela bancada do PT para o Congresso não endurecer ainda mais as suas regras. O presidente de Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e os dois grandes blocos formados na Casa se movimentam para engessar a política fiscal.
Contingenciamento
O relator do projeto, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), trabalha um substitutivo que estabelece uma limitação maior do que o previsto por Haddad para certas despesas e endurece a punição para o não cumprimento das metas do saldo primário, a diferença entre receita e despesa, desconsiderados os juros. Outra proposta é o contingenciamento das despesas para que não extrapolem o teto de gastos. Contingenciar é um verbo obsceno para o PT. Principalmente se for reajustes salariais de servidores e injeção de dinheiro nas estatais. Em contrapartida, o novo arcabouço limitaria o teto de pagamento de precatórios pelo Tesouro.
Existe um compromisso entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente da Câmara para aprovar o projeto de arcabouço fiscal sem mudar sua essencia. Mas o jogo ainda não terminou. Os agentes econômicos pressionam para que as regras fiscais sejam mais rígidas, os partidos de oposição jogam pesado para reduzir a flexibilidade do arcabouço, na expetativa de que isso imponha limites aos programas sociais do governo. Os deputados estão mais preocupados com suas emendas do que com as políticas públicas.
A margem do governo para relançar ao antigo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com novos investimentos, com a liberação das emendas do antigo “orçamento secreto” se reduziu. Quando o presidente da Câmara, Arthur Lira, afirma que o Congresso não aceitará retrocessos, está mandando um recado de que a legislação aprovada em seu mandato anterior deve ser mantida. Estão nesse escopo a marco do saneamento e a privatização da Eletrobras. No primeiro caso, o governo tenta mitigar a derrota no Senado; no segundo, como sabe que não passa pela Câmara, recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Mas há uma grande interrogação ainda. O “fogo amigo” da bancada petista contra a política econômica de Haddad está em certa sintonia com as declarações do presidente Lula. Até agora, apesar disso, Haddad tem conseguido avançar. Tem o apoio do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o vice-presidente Geraldo Alckmin, e da ministra do Planejamento, Simone Tebet. A equipe econômica está unida, quando nada porque o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, um desenvolvimentista, está em silêncio obsequioso.