A Lava-Jato revela o divórcio entre a elite política e a sociedade, entre os partidos e os eleitores, num momento em que a nossa economia e o Estado brasileiro precisam se reinventar
A clássica divisão entre esquerda e direita que pautou a política desde a Revolução Francesa, fazendo com que essas forças se revezassem no poder, foi sepultada no seu país de origem, avisa o professor da UFRJ Marcos Cavalcanti, no “textão” que postou para os amigos do Facebook. “Foi um tsunami. A direita sofreu a maior derrota eleitoral da sua história e deverá ter apenas 70 deputados. A extrema direita (Front Nacional, de Marine Le Pen) deverá ter apenas 10 deputados. Já a esquerda foi dizimada. O PS (partido que estava no poder) teve menos de 10% dos votos e não deverá fazer nem 40 deputados. A “nova esquerda”, a France Insoumise teve menos votos que o Front Nacional e, mesmo aliada ao PCF (Partido Comunista Francês), fará menos de 15 deputados…”
Criado há pouco mais de um ano, o grupo político vencedor foi o France en Marche, do presidente Macron, que terá maioria absoluta no parlamento, com mais de 400 deputados, dos quais a maioria nunca participou da política. “É uma revolução que deixa o status quo político, mediático e intelectual de cabelo em pé. Foi ridículo ver os políticos dos partidos de direita e de esquerda (inclusive os da ‘nova’ esquerda, como a France Insoumise — o PSol francês) tentando justificar sua derrota acachapante. Só conseguiram repetir os chavões e blá-blá-blá de sempre, que cansou os eleitores”, comenta.
Observador privilegiado — é um estudioso da sociedade do conhecimento e do novo mundo do trabalho —, Marcos Cavalcanti acompanhou as eleições francesas in loco. De certa forma, diverte-se com as agruras de jornalistas e comentaristas políticos (“estão completamente desorientados”) e acadêmicos (“eles não podem dar o braço a torcer e dizer, simplesmente, que não estão entendendo nada”). Segundo ele, o caminho mais fácil é repetir que o povo está cansado dos políticos, afirmação corroborada por 51% de abstenções, conclusão dos jornalistas, ou dizer que a opinião pública “está brincando com o caos”, a arrogante advertência dos acadêmicos.
Magalhães pensa que não. Segundo ele, é a velha política que está sendo enterrada, com o “advento da sociedade do conhecimento em rede e o fim da hegemonia do pensamento cartesiano e dual”. Na economia e na política, “que mudam menos rápido que os costumes e práticas humanas”, o esgotamento do pensamento binário é cada vez mais evidente. “Existe uma nova economia, intensiva em tecnologia e conhecimento, que está superando a velha economia baseada em mão de obra e combustíveis fósseis. E, na política, é cada vez mais claro que as pessoas estão cansadas desta velha divisão direita versus esquerda e desejam uma nova política, mesmo que ainda não saibam exatamente qual.”
Incertezas
Estamos longe da realidade francesa, onde um ex-ministro da Fazenda pega o boné, cria um partido, vira candidato a presidente e, no ano seguinte, vence as eleições. As mudanças em curso no mundo estão chegando, em meio a uma crise sem precedentes. No Brasil, tudo é meio retardado e mitigado, demora mais para acontecer, mas não custa nada lembrar que as origens da insegurança e da incerteza que levaram os franceses a escantear seus partidos e políticos tradicionais são as mesmas: o impacto da globalização e das novas tecnologias na economia nacional e a crise de representação dos partidos na nova sociedade em rede.
Para onde vamos? A pergunta de domingo permanece sem resposta. Mas, como no velho trocadilho de Apparycio Torelly, o Barão de Itararé, o cidadão comum anda dizendo: “Diga-me com quem andas que eu direi se vou contigo”. Vivemos uma crise dentro da crise no governo Temer. No plano econômico, o impacto da globalização nas nossas estruturas produtivas não decorre apenas das mudanças tecnológicas. O maior anacronismo é o modelo de acumulação de capital, baseado na formação de cartéis e na ajuda generosa do Estado a setores privilegiados, tudo junto e misturado com velhas práticas fisiológicas e patrimonialistas.
A nossa crise de representação dos partidos não deriva apenas dos grandes meios de comunicação social e das novas mídias sociais, é resultado sobretudo do transformismo dos partidos e do cretinismo parlamentar, que afastam o Congresso da sociedade e bloqueiam a renovação política. A Lava-Jato é uma força da natureza na vida nacional; pode fazer a grande diferença. Está revelando o divórcio entre a elite política e a sociedade, entre os partidos e os eleitores, num momento em que a nossa economia e o Estado brasileiro precisam se reinventar. Nos Estados Unidos e na Europa, essas mudanças geraram insegurança e incerteza, em razão do desemprego, da queda da qualidade de vida e subtração de direitos sociais. A eleição de Trump é uma tentativa de fazer a roda da história andar pra trás. Na França, deu-se o contrário, o povo tenta andar pra frente. E aqui no Brasil, para onde vamos?
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