Nas entrelinhas: Nosso herói usou o bisturi

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“Não se pode subestimar é a gravidade do que aconteceu. O episódio poderá influenciar o resultado das eleições. Bolsonaro já posa sentado, simulando uma arma nas mãos, seu gesto de campanha”

O que não falta nas redes sociais são teorias conspiratórias sobre o atentado a faca contra o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, que foi gravemente ferido e está internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Albert Einstein, para onde foi transferido depois de ser operado na Santa Casa da Misericórdia de Juiz de Fora. A Polícia Federal levou o autor da tentativa de homicídio, Adelio Bispo de Oliveira, de 40 anos, de Juiz de Fora para um presídio federal em Campo Grande (MS). O agressor foi indiciado por “atentado pessoal por inconformismo político”, com base na lei de Segurança Nacional, o que alimenta especulações. Ele alegou que deu a facada em Bolsonaro “a mando de Deus” e disse que agiu sozinho, sem ajuda de partido político ou empresa. Policiais federais consideraram o depoimento do suspeito como declarações de uma pessoa conturbada. Sua defesa alega insanidade mental.

Essa é a versão oficial. Nas redes sociais, a turma do Bolsonaro acusa o PT de ser mandante da agressão; militantes petistas divulgam que o atentado foi uma conspiração militar para levar o general Hamilton Mourão à presidência de República. Teorias conspiratórias costumam construir versões que partem do pressuposto de que o mandante do crime seria o grande beneficiado pela sua consumação. A partir daí, um arrazoado supostamente comprovatório serve para construir uma narrativa verossímil. No limite, a esquerda pode imputar à CIA o planejamento de tudo; a direita, a agentes cubanos. Num ambiente eleitoral empesteado pelo ódio político e o radicalismo ideológico, não faltam os que acreditam em ideias malucas. Além disso, o passado político da América Latina condena.

Por isso mesmo, é bom que a Polícia Federal investigue todos os passos de Adelio Bispo, suas conexões telefônicas e financeiras, bem como das duas outras pessoas que supostamente estariam com ele durante o atentado. E que esclareça também como um sujeito pobre de marré, marré conseguiu financiar suas viagens e a assistência jurídica de quatro advogados — é comum a nomeação de vários integrantes de um único escritório numa só procuração, isso não quer dizer que todos vão atuar no caso, e mesmo a defesa gratuita. O que não se pode subestimar é a gravidade do que aconteceu. O episódio mudou os rumos da campanha eleitoral e poderá influenciar o resultado das eleições. Menos mal, porque Bolsonaro sobreviveu e já posa sentado, simulando uma arma nas mãos, gesto característico de sua candidatura. Seu assassinato na campanha eleitoral, qualquer que fosse a motivação, poderia ter desdobramentos gravíssimos. Há exemplos na nossa história.

Catalisadores

O assassinato de João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque foi uma das causas da Revolução de 1930, que depôs o presidente Washington Luís. Governador da Paraíba, morreu no Recife, em 26 de julho de 1930, aos 52 anos, com um tiro na cabeça. Naquele ano, fora candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas, mas ambos perderam para a chapa governista, encabeçada por Júlio Prestes. Como dizia Gilberto Freyre, no Nordeste “havia os Cavalcanti e os cavalgados”; se fosse Albuquerque, mandava mais ainda. João Pessoa era porta-voz da elite nordestina. Foi morto por um desafeto político, o advogado e jornalista João Dantas, na Confeitaria Glória, no Recife, num encontro quase casual. Ao contrário da versão difundida à época, a motivação do crime foi passional: a casa de Dantas havia sido invadida pela polícia, a mando de João Pessoa, que abjetamente vazou para os jornais cartas íntimas trocadas com a jovem professora Anaíde Beiriz, belíssima, personagem do filme Paraíba masculina, mulher-macho sim senhor, de Tizuka Yamazaki. Dantas foi chacinado na prisão; Beatriz foi marginalizada e se matou, aos 25 anos.

Há outros exemplos de atentados que catalisaram grandes eventos políticos, como o da Rua Toneleiros, contra Carlos Lacerda, no qual foi morto o major Rubens Vaz, cujos desdobramentos resultaram no suicídio de Getúlio, em 1954. Felizmente, Adélio Bispo não logrou seu objetivo. No episódio, o grande herói usou um bisturi: o cirurgião vascular Paulo Gonçalves de Oliveira Júnior largou ao meio o almoço com a família e foi para Santa Casa socorrer Bolsonaro. Localizou o local da hemorragia e evitou a morte do ex-capitão. De acordo com a tabela do SUS, receberá R$ 367,06 pela operação; a Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora será reembolsada em R$ 1.090,80, nos revelou a revista Piauí. Heróis salvam vidas!

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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