Nas entrelinhas: No reino da fantasia

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O orçamento foi inflado para permitir as emendas parlamentares e os aumentos dos servidores, num jogo de faz de conta

No mesmo dia em que o presidente Michel Temer anunciou o pacote de medidas econômicas e tributárias com objetivo de facilitar a vida das empresas e consumidores, para aliviar a pressão sobre o investimento e o consumo, o Congresso aprovou um orçamento da União que está no reino da fantasia: será de R$ 3,5 trilhões, com um deficit primário de R$ 139 bilhões, a meta anunciada pelo governo em julho deste ano. A proposta vai à sanção do presidente Michel Temer. Na véspera, a PEC do Teto dos Gastos foi aprovada pelo Senado como um dos eixos do ajuste fiscal. O outro é a proposta de reforma da Previdência que já tramita na Câmara. Os sinais trocados confundem os investidores.

O Orçamento para o ano que vem foi aprovado a toque de caixa, sob a batuta do líder do governo no Congresso, senador Romero Jucá (PMDB-RR), com apoio dos líderes da oposição, que retiraram os destaques que haviam apresentado. O projeto prevê um deficit primário (despesas maiores que receitas, sem contar os gastos com juros da dívida) de R$ 139 bilhões para 2017. A proposta é um tremendo faz de conta: prevê uma receita primária bruta de R$ 1,406 trilhão, o que significa um aumento nominal de 7,7% e, relação a 2016.

O problema é que incluiu na estimativa de receita uma arrecadação extraordinária de R$ 46,8 bilhões decorrente da lei de repatriação de recursos, que não se repetirá no próximo ano. Mesmo que nova lei seja aprovada, a estimativa é de que sejam repatriados apenas R$ 13,2 bilhões. O projeto aumenta em 10% as despesas com a saúde, que deverão alcançar R$ 115,3 bilhões. O texto aprovado mais que dobrou o valor previsto para repasses ao fundo partidário no ano que vem. Pela proposta do governo, o fundo seria abastecido com R$ 309,2 milhões em 2017. No relatório, porém, o valor foi ampliado para R$ 819,1 milhões.

A estimativa de crescimento do país para 2017, de 1,6% do produto Interno Bruto (PIB), porém, é uma falácia. Ninguém trabalha com essa expectativa. O orçamento foi inflado para permitir as emendas parlamentares e os aumentos dos servidores, num jogo de faz de conta cujo objetivo é mitigar os efeitos da PEC do teto dos gastos em 2017. É uma solução de compromisso entre a equipe econômica do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o dispositivo parlamentar de Temer, que vem atuando como um rolo compressor para aprovar as propostas do governo. O problema é que a verdade das contas públicas será ditada pelo equilíbrio receita versus despesas. Ou seja, o governo terá que fazer um brutal corte de gastos ou tentará aumentar os impostos.

Descolamento
Esse descolamento da realidade em matéria orçamentária está em sintonia com o alheamento dos políticos em relação aos sentimentos da sociedade em diversas matérias, como as medidas de combate à corrupção, cuja tramitação é a origem de uma nova crise entre o Legislativo e o Judiciário. A decisão do ministro do Supremo Tribunal federal (STF), Luiz Fux, que suspendeu a tramitação do projeto aprovado pela Câmara, agrega a esse alheamento uma grande dose de iluminismo, o que também não resolve o problema, pelo contrário, cria instabilidade institucional.

Grosso modo, a crise de representação dos partidos é um fenômeno mundial, decorrente da chamada sociedade pós-industrial. Mas no nosso caso, porém, tem ingredientes especiais, por causa da crise ética, que atinge em cheio a elite política do país. Nos corredores do Congresso, há parlamentares enrolados na Operação Lava Jato que estão mais preocupados com o risco de prisão do que com a própria reeleição, porque estão sob investigação da Operação Lava-Jato.

É um cenário complicado e movediço, no qual a sociedade não se sente mais representada pelo Congresso, embora ele seja o seu representante legítimo; o governo Temer não goza da popularidade, embora seja uma imposição constitucional; e, para complicar a situação, o Supremo Tribunal Federal (STF) começa a ser arrastado para a barafunda política por causa da brigalhada entre seus ministros. Como acreditar que a PEC do teto dos gastos, a proposta de reforma da Previdência e o pacote de medidas econômicas e tributárias anunciadas ontem, por si só, restabeleçam a confiança de investidores e empreendedores? O ambiente político não ajuda a reanimação da economia; a única saída é blindagem da equipe econômica pelo dispositivo parlamentar do Planalto, mas para isso é preciso que o STF garanta a segurança jurídica e não entre na confusão política.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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