Com o impeachment de Dilma e as reformas do governo Temer, principalmente o fim do imposto sindical, a capacidade dos sindicatos influírem nas decisões do governo e do Congresso definhou
Uma boa maneira de aferir a capacidade de mobilização do movimento sindical é observar as comemorações do Dia do Trabalhador mundo afora. A data comemorativa surgiu como marco de luta para que a relação entre trabalho e capital deixasse de ser um caso de polícia para se tornar uma questão social. No Brasil, isso somente veio a acontecer com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, após a Revolução de 1930, quando foi criada a legislação trabalhista e os sindicatos foram oficializados, sob o manto protetor e vigilante do Ministério do Trabalho. Nossa estrutura sindical, ainda hoje, tem viés corporativista. Não se pasmem, sua origem é a Carta Del Lavoro, de inspiração fascista.
Esse viés sobreviveu ao ciclo democrático do pós-Segunda Guerra Mundial e ao regime militar. Parecia que haveria uma ruptura após a democratização do país, em 1985, mas não foi o que ocorreu. Os novos sindicalistas, tão logo assumiram o controle, gostaram do que tinham nas mãos: uma estrutura assistencialista e financiada pelo imposto pago por todos os trabalhadores, sindicalizados ou não, arrecadados pelo governo direto na folha de pagamento e repassado às entidades sindicais.
As disputas entre as diversas correntes político-sindicais, que geraram meia dúzia de centrais, entre as quais a CUT e a Força Sindical, não chegaram à base de arrecadação dos sindicatos, porque aí se manteve a unicidade da representação. A divisão se deu em razão de uma “indústria” de criação de sindicatos cartoriais, principalmente de servidores públicos, seccionando as categorias por critérios cada vez mais corporativos. Até sindicatos de aposentados foram criados. Em contrapartida, com esses recursos, montou-se uma enorme estrutura sindical, com ativistas profissionalizados e fora da produção, que resultou no sindicalismo cupulista, apelegado e de baixo poder de mobilização nas campanhas salariais que temos hoje.
A chegada do PT ao poder, sob a liderança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (que hoje está preso), foi como se a classe operária atingisse o paraíso. Houve o coroamento de uma estratégia bem-sucedida de “pacto social” seletivo, a partir do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, com enorme impacto na economia do país e na vida de nossas cidades. O chamado “acordo automotivo”, celebrado durante o governo de Itamar Franco, pôs fim ao ciclo de greves metalúrgicas, garantiu o regime de pleno emprego para a categoria durante um bom período e aumentos constantes de salário real, ao mesmo tempo em que manteve o setor como polo mais dinâmico da indústria brasileira, graças a incentivos e renúncias fiscais. Também nas cidades, o setor automotivo manteve-se como eixo dinâmico das economias locais.
Surgiu ali uma nova elite sindical “empoderada”, uma espécie de aristocracia operária, que viria a ocupar um papel de destaque nos governos Lula e Dilma Rousseff. Com a crise mundial de 2008 e a guinada da política econômica do governo em direção à nova “matriz econômica”, esse processo se esgotou. O país foi lançado na sua pior recessão, o padrão de mobilidade urbana ditado pelo acordo automotivo provou grandes manifestações de protesto em março de 2013 e o desemprego em massa desarticulou o movimento sindical. Com o impeachment de Dilma Rousseff e as reformas do governo Michel Temer nas relações capital-trabalho, principalmente o fim do imposto sindical, a capacidade dos sindicatos influírem nas decisões do governo e do próprio Congresso definhou. Além disso, o fim do imposto lançou-os em sua a sua maior crise de financiamento.
Novos meios
Essa crise do movimento sindical, porém, não se restringe a isso. Os metalúrgicos vivem o drama particular da automação e da robotização, que também se reproduz em outros setores importantes, de grande tradição de luta. De igual maneira, o setor bancário vive o impacto da informatização acelerada. Não é muito diferente a situação entre os trabalhadores rurais, mesmo entre os sem-terra, cujo peso relativo na economia rural é inversamente proporcional aos ganhos de produtividade e renda no campo com a tecnologia embarcada nos equipamentos agrícolas. No setor petrolífero, os sindicatos fizeram vista grossa à roubalheira na Petrobras e agora amargam o preço de reestruturação da empresa e da desorganização da exploração do petróleo da camada pré-sal, que somente agora começa a ser retomada. Os sindicatos também fizeram vista grossa, por exemplo, à má gestão dos fundos de pensão.
Hoje, teremos um grande teste nas manifestações de Primeiro de Maio. Os sindicatos vivem um dos seus piores momentos desde a democratização. Com o passar dos anos, esses atos sindicais se tornaram eventos festivos, com shows milionários e distribuição de brindes de alto valor, como automóveis, por exemplo. Digamos que esse seja um novo momento de luta dos trabalhadores, no qual ocorrem grande mudanças na estrutura produtiva e na relação entre o capital e o trabalho, com o desaparecimento de velho “ser operário” como classe geral, ou seja, que representava os interesses dos demais trabalhadores e tinha grande poder de mobilização graças à grande indústria mecanizada. Essa realidade não existe mais, com os sistemas flexíveis de produção, a automação, informatização e robotização em curso na indústria, nos serviços e na agricultura, que caracterizam a globalização e a revolução tecnológica em curso. De certa forma, a palavra de ordem “Lula livre”, que unifica os sindicatos, é compreensível. Ele é o símbolo de uma época que ficou para trás. E não tem volta. Os sindicatos terão que se reinventar.
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