Nas entrelinhas: Não existe zona de conforto para ninguém

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Lula apostou na recessão, no desemprego e na inflação como contingências que derrotariam Bolsonaro, mas, o poder de intervenção do governo na economia é grande e a situação está mudando

Todas as pesquisas mostram uma boa vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera a disputa presidencial; dependendo do instituto, a diferença é vai de cinco a 12 pontos, em relação ao presidente Jair Bolsonaro (PL). Isso é como vencer o jogo por dois a zero no primeiro tempo; no segundo, porém, se o time adversário fizer um gol, empurrado pela torcida, tudo pode complicar. Uma virada no placar passa a ser uma ameaça real.

As pesquisas estão mostrando que Lula não vencerá no primeiro turno, com a recuperação de Ciro Gomes (PDT), o crescimento de Simone Tebet (MDB) e a casquinha que Felipe D´Ávila (Novo) e Soraya Thronicke (União Brasil) estão tirando com a campanha de rádio e tevê, as entrevistas e os debates. Não existe zona de conforto para ninguém. Lula está perdendo a eleição entre os homens por pequena margem e vencendo por larga diferença entre as mulheres, um campo minado para Bolsonaro.

Lula vence entre os mais pobres, porém, perde entre os que ganham de dois a cinco salários e empata nos que percebem acima disso. Lidera com folga entre os que somente têm o ensino fundamental e, por pouco, entre os que completaram o ensino médio, e perde entre aqueles com curso superior. Está em amplíssima vantagem no Nordeste; vence de pouco no Norte/Centro-Oeste e no Sudeste; e perde no Sul.

Esse cenário, com quatro semanas de campanha, ainda pode se alterar. A campanha eleitoral foi encurtada deliberadamente pelo Centrão, com objetivo de facilitar a reeleição de quem tem mandato, principalmente na Câmara Federal. Não existe mais financiamento de empresas privadas para as campanhas e a liberação dos recursos do fundo eleitoral somente ocorreu após a propaganda eleitoral começar. Há disparidade de meios entre quem tem mandato, com todas as suas vantagens e mordomias, e os que postulam uma vaga para entrar nas casas legislativas.

Como a esperteza engole o dono, deu ruim para o presidente Jair Bolsonaro, que largou muito atrás nas pesquisas de opinião, por causa, principalmente, da situação da economia. Pode ser salvo pela PEC Emergencial e seu pacote de bondades, que parece não ter fim, haja vista a última redução do preço dos combustíveis. O ministro da Economia, Paulo Guedes, inclusive, já anunciou a intenção de prorrogar o “estado de calamidade” para poder gastar mais.

A reeleição de Bolsonaro está se inviabilizando por outros motivos, principalmente entre as mulheres: a sua misoginia, a falta de empatia com as vítimas da pandemia, o deboche quando é criticado por qualquer cidadão, o palavreado chulo. Tudo isso está cobrando um preço alto de Bolsonaro, mas o determinante mesmo é a situação da economia e dos mais pobres.

Cenários

A estratégia de Lula contra Bolsonaro é muito simples. Compara seu governo com o atual, em todas as áreas relevantes: política externa, cultura, políticas de saúde e educação, a questão ambiental, o salário-mínimo, o combate à violência. Lula apostou, principalmente, na recessão, no desemprego e na inflação como contingências que derrotariam Bolsonaro, mas, acontece que o poder de intervenção do governo na economia é muito grande e a situação está mudando.

Não importa que seja um voo de galinha. A economia voltou a crescer, novos empregos são criados, o dinheiro do Auxílio Brasil (três parcelas de R$ 600, se não antecipar a quarta) está chegando na ponta na boca da eleição. Pode não ter a mesma repercussão para quem ganha até um salário mínimo, por causa do peso da inflação de alimentos, mas, acima disso, já surte efeito, inclusive porque movimenta as economias locais, favorecendo a classe média.

Geralmente, os analistas de pesquisas calculam a progressão do crescimento ou da queda dos candidatos para concluir se e quando o líder se manterá à frente ou não. A boca de jacaré, como se diz no jargão dos marqueteiros, é um recurso válido para o direcionamento da campanha. Entretanto, não pode ser absolutizado por duas razões: em primeiro lugar, o tempo na política não é linear, pode se acelerado na campanha; em segundo, as pesquisas usam dados defasados do IBGE, pois são os do último Censo. É daí que vêm os eventuais erros nas pesquisas. Ignoremos as teorias conspiratórias.

A campanha mais curta tende a acelerar a movimentação dos candidatos majoritários. É o que aconteceu com a recuperação de Ciro e o crescimento de Simone, frustrando os que apostavam no “voto útil”. Nesse cenário, teremos segundo turno, embora a polarização Lula versus Bolsonaro se mantenha. O que poderia alterar esse quadro seria Bolsonaro perder expectativa de poder — o que não vai acontecer, por causa do peso do governo como forma mais concentrada de poder — e a melhoria do ambiente econômico. Outra hipótese, menos provável, seria Lula ser ultrapassado pelo presidente da República, como apregoam os caciques do Centrão. Nesse caso, haveria uma reação a favor do “voto útil”; uma eventual desistência de Lula, em favor de Ciro ou Simone, não está no script de ninguém, muito menos dos petistas.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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