Nas entrelinhas: Não dá para não falar da Americanas

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O assunto econômico deste começo de ano não tem nada a ver com os planos do ministro Fernando Haddad para a economia. A dívida da Americanas chega a R$ 43 bilhões

O que não falta é assunto sobre a política, principalmente para a oposição ao governo Lula, da extrema direita à chamada terceira via. Na Argentina, no encontro com o presidente Alberto Fernandes, seu aliado das horas mais difíceis, Lula anunciou a criação de uma moeda virtual do Mercosul e que retomará os empréstimos do BNDES aos países vizinhos. Logo circulou uma fake news de que seria criada uma moeda única entre os dois países. Na verdade, o que se discute é uma “moeda de reserva”, virtual, que facilite as relações comerciais entre os países do Mercosul, sem a necessidade de dólares. Mais ou menos como está em discussão entre os países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Ou seja, não é verdade que o real será extinto.

Mas Lula saiu da frigideira para mergulhar na panela fervente da oposição ao anunciar que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) retomará os financiamentos aos países vizinhos, um prato cheio, uma vez que boa parte dos financiamentos anteriores aos  hermanos foi destinada à infraestrutura, em troca de contratos para empresas brasileiras de construção, principalmente a Odebrecht. Nas investigações da Lava-Jato, a delação premiada de Marcelo Odebrecht atingiu nove ex-presidentes, entre os quais, seis peruanos, cuja crise política perdura até hoje.

No Brasil, a CPI do BNDES da Câmara pediu o indiciamento de mais de 50 pessoas, entre elas, os ex-ministros Guido Mantega e Antônio Palocci, o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho, diversos ex-diretores da instituição e empresários beneficiados com recursos do banco estatal, porém, nada foi provado contra o presidente Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff. A integração da infraestrutura da América do Sul é necessária: o eixo do comércio mundial se deslocou do Atlântico para o Pacífico. O comércio exterior do Brasil só tem a ganhar, principalmente a exportação de manufaturados, se houver uma infraestrutura logística continental, integrada e moderna.

Este foi o recado de Lula ao destacar a importância da relação bilateral Brasil-Argentina, o nosso maior parceiro comercial na América Latina e o terceiro no mundo. “Argentina é o terceiro parceiro comercial do Brasil, só perde para a China e para os Estados Unidos, isso tem que ser valorizado, isso só pode ser valorizado, não por conta dos presidentes, mas por conta dos empresários, são vocês que sabem fazer negócio, são vocês que sabem negociar”, disse.

Outro assunto importante foram as denúncias da Procuradoria-Geral da República contra os envolvidos nos atos de vandalismo de 8 de janeiro, com três novos inquéritos. A turma do deixa disso, com certa razão, está preocupada com o clima de ajuste de contas existente em Brasília, que mira os que invadiram o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, sobretudo os organizadores, os financiadores e as autoridades que se omitiram durante a crise, inclusive militares. O ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que está preso, por hora afasta a possibilidade de uma delação premiada. Não tem a menor chance de se safar só no gogó. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes já avisou que não vai refrescar ninguém com culpa comprovada. Mais de mil pessoas continuam presas.

Risco financeiro

Tem ainda a questão militar. Lula afastou a ameaça de golpe e rechaçou a tutela fardada, ao demitir o comandante do Exército, no sábado. Indicou para o cargo o comandante militar do Sudeste, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, defensor do respeito à democracia e ao resultado das eleições. O estresse militar agora se restringe à necessária punição dos oficiais que efetivamente se omitiram ou eventualmente colaboraram com a invasão e depredação do Palácio do Planalto, a começar pelo comandante da Guarda Presidencial.

O general Arruda ocupava o cargo interinamente desde 30 de dezembro do ano passado, após um acordo entre a equipe de transição e o antigo governo. Ele estava à frente do Exército durante os ataques às sedes dos três Poderes na capital federal e teria impedido, pessoalmente, a prisão dos extremistas que voltaram ao acampamento em frente ao QG do Exército após os ataques.

E a Americanas? É o assunto econômico deste começo de 2023 e não tem nada a ver com os planos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para a economia. A dívida da Americanas chega a R$ 43 bilhões, bem maior que os R$ 20 bilhões anunciados inicialmente. A empresa deve a 16 mil credores, entre empresas, bancos e pessoas físicas. Três acionistas, com 30% das ações, estão em maus lençóis: Carlos Alberto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles, que estão entre os homens mais ricos do mundo, segundo a Forbes. Eram símbolos de modernidade e competência; agora, estão enrascados numa “contabilidade criativa”.

A empresa já está em processo de recuperação judicial, após a Justiça acatar o pedido, na última quinta-feira. As lojas continuam abertas. Os três empresários ofereceram R$ 6 bilhões para reforçar a empresa, mas os bancos queriam pelo menos R$ 10 bilhões para começar a conversar. No total, 140 mil investidores estão no sal. O Black Rock, o maior fundo de pensão do mundo, é o mais atingido. Puket, Natural da Terra e Hortifruti, além de metade das lojas de conveniência do BR Mania, pertencem à Americanas. O mercado resolve isso, mas logo logo vão querer uma mãozinha do governo.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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