Nas entrelinhas: Não custa nada lembrar, Lula quase perdeu a eleição

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Lula ainda nem completou 100 dias de mandato, mas seu governo começa a envelhecer rapidamente. Antigos conflitos e problemas emergiram nesse período, como as invasões de terra pelo MST

Entre os aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que não são de esquerda — muitos dos quais o apoiaram já no primeiro turno —, cresce a preocupação com os riscos de ingovernabilidade que está correndo, diante dos desafios de seu novo governo. A sombra que persegue Lula vai para bem longe, a ex-presidente Dilma Rousseff, que assumirá o comando do banco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), com um salário equivalente a R$ 200 mil. Entretanto, a comparação do atual governo com o de Dilma, que não é nada alvissareira, está se tornando cada vez mais frequente.

Lula ainda nem completou 100 dias de mandato, mas seu governo começa a envelhecer rapidamente. Antigos conflitos e problemas emergiram nesse período, como as invasões de terra pelo MST, o risco de aparelhamento das estatais e fundos de pensão pelo PT e a eterna disputa entre os moderados e a esquerda petistas pela política econômica do governo. Para complicar ainda mais, pululam no governo os possíveis candidatos à sucessão de Lula, o que é uma insanidade, em se tratando de uma administração que precisa primeiro dar certo.

Alguém precisa refrescar a memória dos petistas de que Lula quase perdeu a eleição para Jair Bolsonaro: a vitória no segundo turno foi por 50,9% a 49,1% dos votos válidos. Lula ganhou a eleição graças ao voto das mulheres e dos mais pobres, mas a diferença decisiva veio dos votos de Simone Tebet, que se empenhou na campanha de Lula no segundo turno, e Ciro Gomes, por gravidade, via PDT. Bolsonaro obteve mais votos da chamada “terceira via” do que Lula, o que é um sinal de que esses segmentos sociais e políticos de centro podem se deslocar facilmente para a oposição ao governo.

Além disso, não houve a trégua tradicional dos adversários. Os bolsonaristas tentaram dar um golpe de Estado em 8 de janeiro e foram derrotados; apesar de isolados, nunca perderam a capacidade de mobilização e influência. Embora Bolsonaro também tenha sido derrotado, o PL elegeu a maior bancada da Câmara e estrutura o bloco de oposição no Senado. Forma com o PP, cujo presidente é o ex-ministro da Casa Civil Ciro Nogueira (PI), a aliança estratégica do Centrão no Congresso. Vêm daí as ambiguidades do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que se reelegeu com apoio de um blocão que vai do PL ao PT.

No Senado, a fronteira entre e o governo e a oposição foi traçada com a reeleição do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para a Presidência da Casa, porém, seu adversário, senador Rogério Marinho (PL-RN), lidera uma oposição ideológica e aguerrida. Na Câmara, a situação é completamente diferente, existe uma “terra de ninguém” entre governo e oposição, formada pelas “bancadas independentes”, que Arthur Lira controla por meio de seus líderes. É nessa “terra de ninguém” que a governabilidade de Lula se torna frágil.

A crise entre o Senado e a Câmara em torno da tramitação das medidas provisórias, cujo rito está previsto na Constituição, conforme deixou claro o senador Rodrigo Pacheco, reflete a ambição de Arthur Lira, que pretende alargar seus poderes de presidente da Câmara e ser o fiador da governabilidade de Lula no Congresso. As medidas provisórias, durante a pandemia, tramitaram diretamente de um plenário para outro, sem passar pela comissão mista que deveria apreciá-las.

Mediação onerosa

O presidente da Câmara não deseja instalar a comissão mista e responsabiliza Pacheco e o Palácio do Planalto pela paralisação da tramitação das medidas provisórias. Caso seja instalada, senadores e deputados que a integrarem adquirirão capacidade própria de negociação com o governo, o que enfraqueceria Lira. O presidente da Câmara não deseja perder esse poder de negociação com Lula. E alega que a manutenção do rito anterior havia sido pactuada com os representantes do governo.

Houve duas conversas recentes de Lira com Lula, uma das quais sozinho. Nelas, se colocou como mediador das relações do presidente da República com a Câmara. Enfraqueceu, a um só tempo, o líder do governo, José Guimarães (PT); o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha; e o ministro da Casa Civil, Rui Costa, que está sendo fritado por gregos e baianos. Homem forte do governo, o ex-governador da Bahia deu um chá de cadeira de 45 minutos no ministro Haddad.

Esse tipo de relação entre o presidente da República e o presidente da Câmara tem precedentes históricos. Foi assim entre o presidente José Sarney e o deputado Ulysses Guimarães (no antigo PMDB); de igual maneira, entre Fernando Henrique Cardoso e o deputado Luiz Eduardo Magalhães (no antigo PFL). Havia sintonia e, ao mesmo, tensões entre ambos, mas nada se compara ao tipo de relação de tutela que Lira pretende impor a Lula. O presidente da Câmara também pretende desempenhar o papel de porta-voz dos grandes grupos econômicos do país no debate econômico.

A residência oficial de Lira se tornou uma espécie de “muro das lamentações” (com todo respeito) para os insatisfeitos com o governo. Lula ataca os juros, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, e executivos dos bancos de investimentos correm para Lira. O MST invade terras produtivas, a bancada do agronegócio lhe pede socorro. Enquanto o governo Lula não der uma resposta ao seu maior problema, a recuperação da economia, a ambição do presidente da Câmara encontrará terreno fértil.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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