Ao fazer suas escolhas, entre o ex-presidente Lula e o presidente Bolsonaro, os eleitores estão cumprindo o seu dever. O por fazer depende das instituições e de quem for eleito
Hoje teremos o segundo turno das eleições, com 156 milhões de eleitores aptos a votarem. A grande incógnita da disputa é o comportamento dos que não votaram no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e no presidente Jair Bolsonaro (PL) no primeiro turno, que receberam 57.259.504 (48,4%) e 51.072.345 (43,2%) dos votos, respectivamente. Aproximadamente 10 milhões de eleitores votaram nos demais candidatos — principalmente Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT), que obtiveram 4,22% e 3,06% dos votos válidos. Por gravidade, haveria uma distribuição proporcional entre os dois candidatos, mas não é assim que as eleições funcionam.
As pesquisas mais recentes mostram a repetição de um fenômeno ocorrido no primeiro turno: uma reação dos eleitores antipetistas contra o favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que está provocando um empate técnico entre ambos, embora Lula permaneça sendo o favorito. Como não existe o mesmo fator surpresa do primeiro turno a favor de Bolsonaro, pode ser que isso resulte também no aumento do comparecimento dos eleitores que rejeitam o presidente da República e não votaram no primeiro turno. Ou seja, a eleição é imprevisível. Tudo vai depender do percentual de abstenções.
A última pesquisa CNT de Opinião, realizada pelo Instituto MDA, encomendada pela Confederação Nacional do Transporte e divulgada ontem, mostra o ex-presidente Lula com 46,9% das intenções de voto e Bolsonaro, que concorre à reeleição, com 44,9%. Considerando apenas os votos válidos, Lula aparece com 51,1% e o chefe do Executivo, com 48,9%. O problema é que o petista variou na margem de erro para baixo e o presidente, igualmente, para cima. São apenas 2,2 pontos de diferença entre ambos. A rejeição de ambos, 50% para Bolsonaro, 45% para Lula, continua sendo uma variável decisiva.
Como ninguém ganha eleição de véspera e não nos cabe adivinhar o resultado, a única certeza é de que os eleitores estão diante de uma escolha entre dois projetos de país para as próximas décadas, num cenário internacional de grandes mudanças. Há muito mais coisas em jogo do que as virtudes e defeitos pessoais de Lula e Bolsonaro, que influenciam as escolhas da maioria dos eleitores. As eleições no Brasil são tradicionalmente “fulanizadas”, fruto da nossa herança “sebastianista”. Os próprios candidatos se julgam “salvadores da pátria”, como ficou evidente no debate da TV Globo de sexta-feira à noite.
Entretanto, Lula e Bolsonaro são portadores de projetos distintos do país, não estão sozinhos e simbolizam uma encruzilhada política, na qual estamos decidindo o rumo que o país vai tomar, sem um projeto claro de futuro. Sim, porque Lula fez sua campanha em cima das realizações de seu governo, no período que vai de 2002 a 2010. Esqueçam a Dilma, seu governo foi um estorvo para Lula, que somente a defendeu no debate para atacar o ex-presidente Michel Temer, a quem chamou de golpista.
Modelos
Quais foram as principais características do governo Lula? Uma aliança com os partidos do Centrão para garantir sua governabilidade; forte projeção na política internacional, tendo como eixo a articulação dos países em desenvolvimento, numa lógica Norte-Sul; política econômica que manteve o equilíbrio fiscal, mas atuou fortemente na economia a favor da transformação de grupos econômicos nacionais em players da economia globalizada; política de valorização do salário mínimo, com impacto generalizado na ampliação do mercado de consumo; e política de inclusão social e erradicação da miséria, com o programa Bolsa Família.
E o governo Bolsonaro, como atuou nesses quatro anos de mandato? Incorporou grande número de militares à gestão pública e consolidou sua aliança com os partidos do Centrão, entregando aos aliados a gestão do Orçamento das União; atuou fortemente para desregulamentar a economia, favorecendo setores produtivos ligados ao agronegócio; liquidou com as políticas sociais universalistas, principalmente na educação e na saúde; esvaziou os órgãos de fiscalização ambiental e adotou o darwinismo social como estratégia de governo, o que ficou muito evidente durante a pandemia da covid 19. Também avançou no sentido de priorizar a pauta dos costumes e incorporar as lideranças evangélicas ao seu governo.
Qual é a questão posta na votação de hoje para além dessas considerações: os dois projetos estão esgotados. Quando Lula critica a regulamentação do trabalho por conta própria (MEI) e defende a relação trabalho-capital com base no regime de contrato coletivo (carteira assinada), está se referenciando num tipo de economia que deixou de ser o padrão; a lógica do empreendedorismo, do sucesso pelo esforço individual, já disputa hegemonia com a velha consciência sindical classista.
Quando Bolsonaro propõe a adoção de um regime iliberal, com predomínio do Executivo em relação aos demais poderes e forte desregulamentação das relações trabalho-capital, está sugerindo uma ruptura institucional, de viés autoritário, para abrir caminho ao novo ciclo de modernização conservadora. Esse modelo também tem impacto na política externa, sobretudo do ponto de vista da questão ambiental.
É preciso novos paradigmas, com base em valores civilizatórios. O Estado democrático, a retomada do crescimento, a nova economia, a sustentabilidade, a liberdade individual e o respeito às minorias, a modernização do Estado, as novas relações capital-trabalho exigem uma nova política. Neste sentido, ao fazer suas escolhas, os eleitores estão cumprindo a sua parte. O por fazer depende das instituições e de quem for o novo presidente eleito hoje.
O presidente brasileiro defendeu a taxação de operações financeiras de super-ricos, para financiar o combate…