“Bolsonaro nunca quis um educador reconhecido, mas alguém que pudesse confrontar ideologicamente a oposição nas universidades e demais órgãos da Educação”
Em absoluto descrédito, por ter fraudado o próprio currículo, o ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, entregou a carta de demissão ao presidente Jair Bolsonaro, antes mesmo de tomar posse oficialmente. Foi uma saída até honrosa, depois de idas e vindas do Palácio do Planalto e tentativas de justificar o injustificável por parte de Decotelli. Jair Bolsonaro havia anunciado o seu nome como uma espécie de contraponto à passagem histriônica e turbulenta de Abraham Weintraub pelo cargo. Parecia um reposicionamento estratégico na pasta, substituindo a ideologia na escolha do ministro por uma suposta meritocracia. O problema é que o currículo do ministro era fake.
Bolsonaro chegou a publicar uma carta nas redes sociais elogiando a capacidade do ministro; na noite de segunda-feira, porém, já havia se convencido de que era preciso voltar atrás. Desde a indicação de Decotelli, a cada dia surgia uma nova informação desmoralizadora, de alguma instituição acadêmica, desmentindo os títulos que constavam no seu currículo Lattes. Três desmentidos foram demolidores: a denúncia de plágio na dissertação de mestrado da Fundação Getulio Vargas (FGV); a declaração da Universidade de Rosário desmentindo um título de doutorado na Argentina, que não teria obtido; e o pós-doutorado na Alemanha, não realizado. Trocando em miúdos, o professor não era sabichão, era apenas sabido.
É óbvio que a situação é desmoralizante também para Bolsonaro e os serviços de inteligência do governo, a Agência Brasileira de Informações (Abin), que falhou na checagem do nome, e o “serviço particular” do presidente da República, que pode até ter atuado com sinal trocado, indicando ou referendando a indicação de Decotelli. O vício de origem do problema, porém, é o conceito adotado por Bolsonaro para a Educação. Ele nunca quis um educador reconhecido no mundo acadêmico, sempre buscou alguém que pudesse confrontar ideologicamente a oposição nas universidades e demais órgãos do Ministério da Educação. A opção Decotelli, supostamente para “despolitizar” o Ministério da Educação, foi embasada por uma “visão tecnocrática” dos militares do Palácio do Planalto: já que Weintraub perdeu a batalha política na sociedade, optou-se por levar a disputa para o terreno da gestão. Deu errado.
Bolsonaro examina, agora, a possibilidade de nomear Anderson Ribeiro Correia, reitor do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), renomada instituição militar de ensino, cargo para o qual foi escolhido em lista tríplice pelo Comando da Aeronáutica, entre 11 candidatos, após rigorosa seleção. Por três anos, o atual reitor do ITA havia exercido a Pró-Reitoria de Extensão e Cooperação. Para conquistar o posto, apresentou cinco propostas de trabalho: melhorar o relacionamento institucional com a FAB e com a sociedade; modernizar o ensino de engenharia; fortalecer a pós-graduação e a pesquisa em conjunto com a graduação; modernizar a gestão; e oferecer mais resultados à sociedade.
Ou seja, uma metodologia impessoal e meritocrática completamente diferente da adotada por Bolsonaro para formar sua equipe. Correia é graduado em engenharia civil pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mestre em engenharia de infraestrutura aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e concluiu doutorado em engenharia de transportes pela University of Calgary, no Canadá. É membro do Conselho de Administração da Organização Brasileira para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Controle do Espaço Aéreo (CTCEA); do Comitê Transportation Research Board — USA; e do Conselho Deliberativo da Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes (Anpet).
Negacionismo
Passando de pato a pandemia, o Brasil deve ultrapassar as 60 mil mortes por coronavírus hoje. Ontem, eram 58.927, de um total de 1,383 milhão de casos confirmados. De acordo com um monitoramento da universidade norte-americana Johns Hopkins, o mundo já tem mais de 19 milhões de infectados e 500 mil mortos, sendo que o Brasil é responsável por 11% das mortes ocorridas no planeta. Esse indicador está fazendo com que as autoridades sanitárias de todo o mundo voltem os olhos para o Brasil. Os brasileiros, por exemplo, já não podem mais viajar para a Europa.
A comissária de direitos humanos da ONU, Michelle Bachelet, que, por duas vezes, presidiu o Chile, criticou o negacionismo do governo Bolsonaro e incluiu o Brasil entre os países que não lidam bem com as consequências sociais da pandemia da covid-19. “Na Belarus, Brasil, Burundi, Nicarágua, Tanzânia e nos Estados Unidos — entre outros —, estou preocupada com declarações que negam a realidade do contágio viral e pela crescente polarização em temas-chave, que pode intensificar a severidade da pandemia por torpedear esforços para conter o surto e fortalecer os sistemas de saúde”, afirmou.
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