Nas entrelinhas: Mais um ano no vermelho

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“Bolsonaro emite sinais de que não está muito empenhado em aprovar a reforma da Previdência nem acredita nos fundamentos liberais de sua política econômica”

O governo Bolsonaro prefere rosa e azul, principalmente na roupa das crianças, mas é vermelho o seu projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) apresentado ontem: a estimativa do deficit das contas públicas no próximo ano é de R$ 124 bilhões, R$ 14 bilhões a mais do que a anterior. Ou seja, o governo está enxugando gelo em termos de ajuste fiscal, mesmo considerando a reforma da Previdência.

O outro lado da moeda é o valor do salário mínimo em 2020, que será de R$ 1.040, um aumento de R$ 42 em relação aos atuais R$ 998. Não haverá aumento real do salário mínimo no ano que vem, que será corrigido apenas pela inflação medida pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor). Os números da LDO são um banho de realidade na retórica da “nova política”, que coleciona polêmicas no varejo. No atacado, a opção é quase o “mais do mesmo”: meta de inflação e câmbio flutuante; o superavit fiscal, premissa para a retomada do crescimento, está além do horizonte.

A economia do país está em desaceleração. Em fevereiro, registrou a maior retração desde maio de 2018, quando ocorreu a greve dos caminhoneiros, segundo os números divulgados, ontem, pelo Banco Central. Considerado uma prévia do PIB, o Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-Br) registrou, em fevereiro, um recuo de 0,73%, na comparação com janeiro deste ano. O resultado foi calculado após ajuste sazonal (uma espécie de “compensação” para comparar períodos diferentes). Maio de 2018 foi marcado pelos efeitos da greve dos caminhoneiros, que resultou em um tombo de 3,11% na prévia do PIB.

A economia está travada. O cenário macroeconômico não mudou, em grande parte, porque o presidente Jair Bolsonaro emite sinais de que não está muito empenhado em aprovar a reforma da Previdência nem acredita nos fundamentos liberais de sua política econômica. No varejo, há sinais preocupantes de que o presidente Bolsonaro governa na contramão do projeto do atacado. O caso da política de preços da Petrobras é bastante emblemático quanto a isso.

Ao intervir numa decisão da petroleira, sustando o aumento do diesel, para atender reclamações de lideranças dos caminhoneiros, o governo meteu-se numa enrascada, porque sinalizou fraqueza e desorientação. Recuou diante de uma ameaça de greve dos caminhoneiros, que foram um esteio de sua campanha eleitoral; agiu de forma extremamente inábil, ao vetar publicamente o aumento, o que desmoralizou a diretoria da empresa e sua política de preços perante os seus investidores.

Ontem, ministros e técnicos do governo passaram o dia discutindo como consertar o estrago, enquanto o mercado aguarda uma decisão sobre o preço do diesel, que deve ser anunciada, hoje, em reunião com o próprio presidente Jair Bolsonaro. A política de concessões do governo Bolsonaro é seu ponto mais forte, administrativamente, mas está batendo no teto, enquanto o programa de concessões e os leilões de petróleo vão muito bem, obrigado. O problema são as privatizações, que estão estagnadas. Os militares ocuparam as empresas estatais e consideram muitas delas estratégicas para o desenvolvimento nacional.

Filho feio

Bolsonaro é um cristão novo do liberalismo, ao qual se converteu mais por conveniência política do que por convicção decorrente do conhecimento: já disse que não entende nada de economia. Entretanto, a política é a economia concentrada, e Bolsonaro não hesita na hora de tomar decisões com base no senso comum de suas bases eleitorais, sem medir muito as consequências, como no caso do diesel.

Enquanto administra no varejo, a inércia começa a mostrar sua cara no atacado. Ontem, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados decidiu discutir a proposta que aumenta os gastos obrigatórios do governo, a chamada PEC do Orçamento, antes de debater a reforma da Previdência. A reunião havia sido convocada para discutir a reforma da Previdência. Foi uma derrota anunciada do governo, pois, desde a semana passada, os partidos do Centrão passaram a articular o adiamento do debate, enquanto Bolsonaro estava mais preocupado com as máquinas e os equipamentos dos ladrões de madeira da Amazônia apreendidos pelo Ibama.

Bolsonaro precisa reavaliar a forma como está conduzindo sua relação com o Congresso. Os partidos do Centrão, como PP, PR e DEM, apoiaram um requerimento do PT para a CCJ analisar, primeiro, a proposta sobre o Orçamento. PSDB, Novo e Patriota votaram contra a inversão da pauta. Até mesmo o PSL, partido de Bolsonaro, votou a favor da mudança. As conversas com Bolsonaro levaram os líderes desses partidos a concluírem que o presidente da República não quer colar seu nome à reforma da Previdência; no jargão parlamentar, “filho feio não tem pai”.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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