Nas entrelinhas: Mais temido do que amado

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A situação de Eduardo Cunha é semelhante à de Delcídio do Amaral e Gim Argelo, que estão sendo julgados pelo juiz federal Sérgio Moro

A cassação do mandato do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) por 450 votos a favor, 10 contrários e nove abstenções mostrou que seu poder decorria muito mais da forma como comandou a liderança do PMDB e, depois, a própria Casa, do que das relações de amizade que construiu ao longo do mandato. A maioria dos aliados (43 deputados) preferiu não comparecer à sessão. Mesmo assim, com a mesma arrogância com que se defendeu da tribuna, embora sem mandato, Cunha protagonizou ontem uma polêmica com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que pela manhã havia comentado sua cassação.

“Afasta esse cálice de mim. Eu não quero de forma nenhuma falar sobre isso, mas quem planta vento, colhe tempestade”, disse Renan, durante entrevista, numa aparente alusão ao fato de o deputado cassado ter dado início ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara. À tarde, Cunha ironizou: “Com todo desejo de sucesso ao presidente do Senado no comando da Casa, e acreditando na sua inocência, espero que os ventos que nele chegam através de mais de uma dezena de delatores e inquéritos no STF, incluindo Sérgio Machado, não se transformem em tempestade. E que ele consiga manter o cálice afastado dele.”

Cunha perdeu o mandato e os direitos políticos por quebra de decoro, por ter mentido sobre suas contas na Suíça em depoimento na CPI da Petrobras, depois de 11 longos meses de manobras contra a cassação. No último discurso, negou a existência das contas no exterior e tentou caracterizar sua cassação como uma retaliação por causa do impeachment: “Por mais que o PT chore, esse criminoso governo foi embora e graças à atividade que foi feita por mim!”, disse. O resultado da votação, porém, mostrou que houve mais do que isso: a esmagadora maioria dos deputados decidiu expurgá-lo.

Na ressaca da votação, havia um misto de alívio pela cassação de Cunha, e muita apreensão em razão do que ainda pode surgir na Operação Lava-Jato. O espectro da CPI Mista da Petrobras, que o levou à cassação, continua rondando o Congresso. No começo da tarde, durante depoimento ao juiz Sérgio Moro, em Curitiba, no processo que investiga o ex-senador Gim Argello (PTB-DF), o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro envolveu o relator e o presidente da CPI Mista da Petrobras, respectivamente o ex-presidente da Câmara Marco Maia (PT-RS) e ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Vital do Rego, então senador do PMDB, no escândalo da Lava-Jato.

Léo Pinheiro disse que o ex-senador Gim Argello (ex-PTB-DF) lhe pediu para doar dinheiro à Paróquia São Pedro, em Taguatinga, que recebeu R$ 350 mil da OAS provenientes da propina da Petrobras. A OAS também pagou R$ 2,5 milhões ao diretório nacional do PMDB em 2014, sendo R$ 1 milhão oficialmente e R$ 1,5 milhão de caixa 2, para o ministro do TCU Vital do Rego, e mais R$ 1 milhão ao deputado Marco Maia (PT-RS), também da propina da Petrobras. Como Maia e Rego têm direito a foro privilegiado, o juiz não insistiu no assunto. Ambos desmentiram a denúncia.

Ajuste de contas
Com a cassação de seu mandato, a situação de Eduardo Cunha é semelhante à dos ex-senadores Delcídio do Amaral e Gim Argelo, que perderam o direito ao foro especial e estão sendo julgados pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba. Delcídio fez delação premiada; Argelo, ainda não. Nas declarações que deu depois da cassação, Cunha não poupou recados para o Palácio do Planalto, mas direcionou suas críticas mais pesadas ao assessor especial da Presidência Moreira Franco, responsável pela política de concessões do governo.

“Quando o governo patrocinou a candidatura do presidente (Rodrigo Maia) que se elegeu em acordo com o PT, o governo, de uma certa forma, aderiu à agenda da minha cassação. O governo hoje tem uma eminência parda, quem comanda o governo é o Moreira Franco, que é o sogro do presidente da Casa. Ele comandou uma articulação que fez com que tivesse uma aliança do PT”, disparou. Entretanto, Cunha nega a intenção de fazer delação premiada, diz que não tem gravações de conversas com colegas, mas promete escrever um livro contando os bastidores do impeachment e da sua cassação, o que é interpretado como uma forma de chantagem, inclusive em relação ao Palácio do Planalto.

O Palácio do Planalto, porém, não passa recibo. A cassação de Cunha é tratada como um assunto do Legislativo, embora o líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), tenha sido o grande ausente na votação. Do ponto de vista da relação com a Casa, espera-se menos tensão do que havia. A personalidade de Rodrigo Maia é mais moderada e a cassação de Cunha mostrou que seu grupo foi desarticulado. Acontece, porém, que até agora o governo não conseguiu articular a sua base para aprovar o ajuste fiscal.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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