Além de ter ajudado a sepultar o “Volta, Lula!”, o ministro da Fazenda operava a chamada “nova matriz econômica”
A nova etapa da Operação Lava-Jato chega muito perto da ex-presidente Dilma Rousseff, que manteve Guido Mantega como ministro da Fazenda durante todo o primeiro mandato, mesmo depois que ele pediu para sair, por causa da doença de sua esposa, e das pressões do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que fosse substituído pelo atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Quanto era presidente, Dilma não podia ser investigada por fatos anteriores a seu mandato; agora pode.
A prisão de Mantega é mais um degrau na escalada de confronto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT com o juiz Sérgio Moro. A notícia circulou como denúncia de arbítrio e de desumanidade: o advogado de Mantega, José Roberto Batochio, carregou nas tintas ao dizer que o ex-ministro foi preso no hospital Albert Einstein, no Morumbi, Zona Sul de São Paulo, quando acompanhava uma cirurgia agendada de sua esposa: “Ele está sendo retirado da área do centro cirúrgico nesse momento”, disse. Era mentira, mas a versão colou nas redes sociais. A PF fora à casa de Mantega para efetuar uma busca e apreensão e prendê-lo temporariamente. Como não estava, entrou em contato por telefone e Mantega se apresentou espontaneamente na portaria do hospital.
O delegado Igor Romário de Paula, coordenador da Lava-Jato, justificou a ação: “Não houve entrada de policiais no hospital, ainda mais no centro cirúrgico para retirar o (ex-)ministro”. Os policiais levaram o ex-ministro até seu apartamento em Pinheiros, na Zona Oeste, para cumprir um mandado de busca e apreensão. Por volta das 9h25, Mantega chegou à sede da PF em São Paulo, na Lapa, Zona Oeste da capital. O juiz Sérgio Moro, ao saber do contexto da prisão — que havia sido decretada em agosto, mas não foi executada ontem por causa das Olimpíadas —, revogou a própria decisão. Com isso, recrudesceram as críticas de que a prisão temporária era desnecessária. O Ministério Público havia pedido a prisão preventiva de Mantega, em junho, mas Moro negou. Aceitou apenas a prisão temporária.
Propina
Mantega foi “dedurado” pelo empresário Eike Batista, em razão do suposto pagamento de propina em contrato da Petrobras com o Consorcio Integra, no valor de R$ 2.350.000,00, em 16/04/2013, a João Cerqueira de Santana Filho e a Mônica Regina Cunha Moura “mediante depósito, comprovado documentalmente nos autos, em conta da off-shore Shellbill Financeira mantida no Heritage Bank, na Suíça”. Mantega, então Ministro da Fazenda e presidente do Conselho de Administração da Petrobras, teria pedido que o pagamento fosse efetuado em novembro de 2012, em razão de serviços prestados ao Partido dos Trabalhadores nas eleições municipais: “O pagamento estaria vinculado ao esquema criminoso que vitimou a Petrobras e a propinas também pagas a agentes da Petrobras no âmbito do contrato da Petrobras com o Consórcio Integra”, diz o despacho de Moro.
João Santana era o rei da cocada preta no marketing do governo Dilma. No dia do pagamento da propina, Mantega havia reduzido a previsão de crescimento da economia deste ano de 4,5% para 3,5%, segundo o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014 enviado ao Congresso Nacional. Na véspera, Dilma se encontrara com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em um seminário do PT em Belo Horizonte, para articular a candidatura do governador Fernando Pimentel (PT). Sua campanha à reeleição já estava em pleno curso. Mantega fora decisivo para isso.
Além de ter ajudado a sepultar o “Volta, Lula!”, o ministro da Fazenda operava a chamada “nova matriz econômica”. O então secretário do Tesouro, Arno Augostin, caprichava na “contabilidade criativa” para ocultar as “pedaladas fiscais”, e o secretário-executivo Nélson Barbosa, que em dezembro de 2015 viria a ocupar o Ministério da Fazenda até o afastamento de Dilma Rousseff, já pensava em pegar o boné porque sabia que o trem da política econômica estava descarrilado.
O prestígio de Mantega com Dilma Rousseff vinha desde 2008, quando eclodiu a crise do mercado financeiro mundial. Dilma havia defendido uma política “anticíclica” numa reunião ministerial, para enfrentar a “marolinha” e garantir a própria eleição na sucessão de Lula, em 2010, pois o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), sob seu comando, estava indo para o ralo. Mantega voltou à reunião seguinte com o programa “Minha Casa, Minha Vida”, que exerceria um “efeito multiplicador” na economia. Também começava ali a farra das desonerações fiscais, financiamentos seletivos e investimentos temerários, como os da OSX de Batista, cujas consequências foram os rombos nas contas públicas e nos fundos de pensão, além da crise na Petrobras.