“Paulo Guedes insiste numa economia de pelo menos R$ 1 trilhão. O pano de fundo é o regime de capitalização, cuja transição custaria pelo menos R$ 370 bilhões. Por enquanto, a proposta está no telhado”
A instalação da comissão especial que vai discutir a proposta de mudanças na Previdência enviada ao Congresso pelo governo Jair Bolsonaro vai muito além do debate de mérito da reforma, altera o eixo da relação da Câmara com o governo e neutraliza a polarização PT versus PSL, que vem dando o tom nos debates de plenário e comissões. Rodrigo Maia, presidente da Casa, prestigiou o chamado Centrão ao entregar o comando da comissão ao deputado Marcelo Ramos (PR-AM); ao mesmo tempo, ressuscitou a centro-esquerda, ao decidir que o relator da comissão será o tucano Samuel Moreira (PSDB-SP). Esse blocão reagrupa o chamado “centro democrático” e aprova o que quiser na Câmara.
A comissão é formada por 49 integrantes titulares e 49 suplentes. A distribuição das vagas entre as legendas é proporcional às respectivas bancadas na Câmara. Ramos assumiu a tarefa com o discurso de que seguirá as regras regimentais na condução das atividades da comissão e que respeitará os partidos de oposição. Trocando em miúdos, pretende adotar uma linha de independência em relação ao governo: “O regimento vai orientar os nossos trabalhos”, disse.
A indicação de Moreira foi uma carta tirada da cartola de Maia, porque o relator da reforma da Previdência participa de um grupo de deputados experientes, ligados a PSDB, PMDB e Cidadania, partidos que ficaram de fora do segundo turno das eleições presidenciais de 2018. Em silêncio, o grupo rearticulou a centro-esquerda na Câmara, em aliança com Maia, que assim passou a caminhar com duas pernas. A outra é o chamado Centrão (PP, PR, DEM, PRB e Solidariedade). Na primeira entrevista, Moreira deu a linha que pretende adotar na construção do relatório, negociando com o governo e a oposição: “A Previdência é um direito social; porém, uma responsabilidade fiscal. Vamos trabalhar dentro de duas premissas”, avisa.
Gordura
A liberação dos estudos realizados pelo governo para elaborar seu projeto de reforma da Previdência mostrou que realmente havia gordura para queimar no plano do governo. Os R$ 127,2 bilhões de economia previstos com as mudanças no BPC e na aposentadoria rural equivalem a 10% da economia total estimada pelo governo. De acordo com o documento divulgado pelo Ministério da Economia, a contenção de gastos com a reforma seria de R$ 1,236 trilhão também em 10 anos. O ministro Paulo Guedes, publicamente, sempre estabeleceu como meta R$ 1 trilhão. Isso explica o fato de os números terem sido mantidos em sigilo até a aprovação da admissibilidade da reforma pela Comissão de Constituição e Justiça, na terça-feira passada.
Com a instalação, começa a contar o prazo regimental de 10 sessões do plenário para a apresentação de emendas à proposta por parte dos deputados. Mas a o debate somente vai esquentar depois do feriadão do 1º de maio. Ninguém tem dúvida de que a reforma será aprovada, pois a esquerda que se opõe não tem votos suficientes para barrá-la, a não ser naqueles pontos que realmente atingem os trabalhadores de mais baixa renda, contra os quais até o Centrão se manifestou. Mas o tamanho da economia a ser feita dependerá muito do empenho do governo para chegar perto do R$ 1 trilhão desejado por Guedes.
Rodrigo Maia cobra do governo mais articulação de sua base. O presidente Bolsonaro já disse que espera uma economia de pelo menos R$ 800 bilhões em 10 anos. Maia alerta, porém, que o tamanho da economia dependerá do empenho do governo nas negociações. Paulo Guedes insiste numa economia de pelo menos R$ 1 trilhão. O pano de fundo é o regime de capitalização, cuja transição custaria pelo menos R$ 370 bilhões. Por enquanto, a capitalização está no telhado.
Mais um
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao Supremo Tribunal Federal a condenação do senador Fernando Collor de Mello (PROS-AL), pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, a uma pena de 22 anos e oito meses de prisão. Acusado de receber mais de R$ 30 milhões em propina por negócios da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras na venda de combustíveis, Collor é mais um ex-presidente da República enrolado no escândalo da Petrobras, investigado pela Lava-Jato. A defesa de Collor afirma que a denúncia não traz provas concretas de que o senador recebeu o dinheiro de propina. O relator é o ministro Edson Fachin.