Nas entrelinhas: Jararaca e Ratinho

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É um cenário do tipo “rouba mas faz” (Ademar de Barros) versus “prendo e arrebento” (João Batista Figueiredo)

A dupla caipira Jararaca (o alagoano José Luiz Rodrigues Calazans) e Ratinho (o baiano Severino Rangel de Carvalho) fez história no chamado cancioneiro popular. A fama veio com os filmes da antiga Vera Cruz e com a Rádio Nacional, mas os dois exímios músicos foram também grandes humoristas e brilharam no programa Balança Mas Não Cai, tanto no rádio quanto na televisão. Com a morte do parceiro Ratinho, autor de Saxofone, por que choras?, Jararaca encerrou a carreira no elenco de Chico City, mas ambos deixaram pérolas da nossa música popular, como Sapo no saco, recentemente gravada por Pedrinho Miranda, Vamos apanhar limão e Frevinho bossa nova? É dele uma das marchinhas mais cantadas no carnaval desde a década de 1940: Mamãe, eu quero!, cuja letra maliciosa volta e meia serve de analogia para descrever a corrupção na política.

A homenagem à dupla tem a ver com o carnaval que se aproxima, é obvio, mas a lembrança veio por causa da pesquisa CNI-MDA divulgada na terça-feira, na qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desponta como líder absoluto nas pesquisas de opinião para as eleições de 2018. Uma ressalva, porém, da lavra do poeta baiano José Carlos Capinam, outro grande artista, ao comentar a pesquisa ontem, entre amigos, em Brasília: “Com essa antecedência, pesquisa eleitoral é como profecia de Nostradamus”.

Médico como Capinam, Michel Notre-Dame também foi farmacêutico e astrólogo nacional francês. Viveu nos anos 1503-1566 e fez uma série de previsões para o futuro do mundo, no livro intitulado As profecias. Suas projeções chegam a 3797, mas algumas foram feitas para este ano de 2017: a Terceira Guerra Mundial, por exemplo, que duraria 27 anos; e uma nova explosão do Vesúvio, inativo desde 1944, que seria maior do que a de 79 d.C., na qual Pompeia, Herculano e Estabia desapareceram do mapa.

Nostradamus não previu quem ganhará as eleições de 2018 no Brasil, nem poderia imaginar uma coisa dessas, pois vivia no absolutismo, da mesma forma como a pesquisa CNI-MDA não pode a tão grande distância apontar quem será o vencedor da disputa do próximo ano. Mas serve de boa referência para algumas reflexões, principalmente se considerarmos a pesquisa espontânea, na qual Lula aparece com 16,6%, tendo como principal adversário Bolsonaro, com 6,6%. Depois vêm Aécio, 2,2%; Marina, 1,8%; Temer, 1,1%; Dilma, 0,9%, Alckmin, 0,7% e Ciro, 0,4%. Pesquisas espontâneas são mais valorizadas pelos analistas do que as induzidas, principalmente a essa distância, porque geralmente demonstram o universo dos eleitores resilientes, que dificilmente mudarão de voto.

No principal cenário da pesquisa induzida, essas tendências eleitorais ganham escala, mas o voto não é consolidado. Lula, por exemplo, aparece com 30,5% dos votos; Marina, com 11,8%; Bolsonaro, com 11,3%; Aécio, 10%; Ciro, 5%; e Temer, 3,7%. O que dizer disso? Em primeiro lugar, que narrativa do golpe, o “Fora, Temer” e o “Diretas Já!” serviram como muro de contenção para o ex-presidente manter em torno de si a oposição ao atual governo, com seu partido na lona e mesmo sendo alvo de investigações da Operação Lava-Jato. Conteve-se a debandada petista e o ex-presidente continua sendo uma alternativa de poder.

“A vítima”

A “vitimização” de Lula, que ganhou mais apelo emocional com o falecimento da ex-primeira-dama Marisa Letícia, funciona como vacina contra uma eventual condenação no julgamento da Lava-Jato, em primeira instância, e serve como uma espécie de habeas corpus eleitoral para os petistas. Além disso, dispensa qualquer autocrítica. A retórica é simples e até agora funciona: o impeachment foi um golpe, a Lava-Jato é uma perseguição política, todos os problemas do país são causados pelo ajuste fiscal do governo Temer, e Lula foi o melhor presidente que o Brasil já teve, depois de Getúlio Vargas. Voltando ao começo da prosa, Lula estava certo ao se comparar a uma jararaca que havia levado uma paulada, mas não tinha sido na cabeça. A jararaca está vivíssima. E os petistas só faltam sair cantando Mamãe, eu quero!

A pesquisa foi ruim para o governo e muito pior para o PSDB, sócio principal de Temer na gestão de coalizão. Mostrou que as investigações da Operação Lava-Jato em direção a ambos estão fazendo estragos. A surpresa é o crescimento do deputado Jair Bolsonaro, que desponta como alternativa ultraconservadora. Imaginem uma disputa de segundo turno entre ambos, o que isso pode representar em termos de radicalização política para o país. É mais ou menos o que está acontecendo em outros lugares do mundo, com outros personagens, é claro. É um cenário do tipo “rouba mas faz” (Ademar de Barros) versus “prendo e arrebento” (João Batista Figueiredo), para usar uma linguagem figurada que tem a ver com a nossa história política. Um Vesúvio político, uma nova grande guerra. Ainda bem que estamos longe de 2018 e as previsões de Nostradamus não se realizam.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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