“O resultado da confrontação de Witzel com Bolsonaro é a consolidação da tese palaciana de que haveria uma conspiração contra o presidente da República para apeá-lo do poder”
Numa solenidade da Marinha, no estaleiro francês que constrói submarinos brasileiros em Itaguaí, na Baixada Fluminense, o presidente Jair Bolsonaro falou sobre a suposta existência de “inimigos dentro e fora do país”, com ênfase para o chamado inimigo interno: “os de dentro são os mais terríveis”. Entretanto, não estava se referindo à esquerda brasileira, que, durante o regime militar, foi tratada como inimiga de Estado, mas ao governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), que já se colocou como pré-candidato à Presidência em 2022.
Witzel faz uma administração focada no endurecimento do combate ao tráfico de drogas no Rio de Janeiro, com uso desproporcional da força, o que proporcionou redução do índice de roubos e furtos, mas coleciona mortes de inocentes, principalmente crianças, durante tiroteios nas comunidades. Sua candidatura à Presidência parece muito prematura, pois tem um discurso parecido com o de Bolsonaro e a mesma base eleitoral. Entretanto, acredita que tem chances reais.
Por essa razão, enfrenta dura reação do clã Bolsonaro, que rompeu com o governador fluminense. O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PSC), filhos do presidente da República, protagonizam o confronto, que tem por pano de fundo as investigações sobre Fabrício Queiroz, ex-assessor parlamentar de Flávio na assembleia fluminense, e suas relações com as milícias do Rio de Janeiro. Witzel estaria convencido de que esse caso pode levar Bolsonaro a desistir da reeleição.
O resultado da confrontação de Witzel com Bolsonaro é a consolidação da tese palaciana de que haveria uma conspiração contra o presidente da República para apeá-lo do poder. Quando fala em terríveis inimigos de dentro, Bolsonaro está se referindo a isso. Bolsonaro acredita que o procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, Eduardo Gussem, é aliado de Witzel. As investigações sobre Queiroz e as milícias são conduzidas por ele.
Essa disputa parece coisa de paranoico, mas acabou tendo forte impacto na política nacional, particularmente na Operação Lava-Jato. Flávio Bolsonaro resolveu recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para conter as investigações do caso Queiroz, valendo-se do fato de ter direito a foro especial como senador. Alegou que dados fornecidos pelo antigo Conselho de Controle de Operações Financeiras (Coaf) estavam sendo utilizados sem autorização judicial nas investigações do Ministério Público fluminense. O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, acolheu o pedido e suspendeu todas as investigações com base em dados do Coaf fornecidos nessas condições.
Falso amor
O episódio acabou estabelecendo uma clara linha divisória entre o clã Bolsonaro e a Operação Lava-Jato. Envenenou as relações entre o presidente da República e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, cuja primeira reação foi tentar articular a derrubada da liminar de Toffoli com o ministro Luís Barroso. Bolsonaro não gostou dessa atitude, mas não pode demitir Moro sem aprofundar essa divisão, perdendo a bandeira da ética. Nem o ex-juiz pode pedir demissão sem fazer uma autocrítica por ter entrado no governo. A melhor saída para ambos é manter as aparências, como no samba Falso Amor Sincero, de Nelson Sargento: “O nosso amor é tão bonito/ ela finge que me ama/ eu finjo que acredito”.
Moro não se cansa de desmentir que pretenda ser candidato à Presidência, Bolsonaro finge que acredita, mas o fato é que o ministro da Justiça é um presidenciável com mais prestígio popular do que o presidente da República, segundo as pesquisas de avaliação do governo. Nove entre 10 senadores sondados pelo Podemos acreditam que o partido da deputada Renata Abreu (SP) e do senador Álvaro Dias (PR) está pronto para receber a candidatura de Moro. Mas não é o único. A queda de braço de Bolsonaro como o presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), pelo controle dos recursos da legenda, também pode ter esse desdobramento. No mesmo dia em que Bolsonaro ameaçava sair da legenda, Bivar jantava com Moro, acompanhado de um grupo de deputados.
Bolsonaro não tem a menor chance de conseguir o controle do PSL. Pode ser até que esse não seja o seu maior objetivo. O partido está enrolado no escândalo das candidatas laranjas nas eleições passadas, no qual o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, deputado federal eleito por Minas Gerais, foi indiciado pela Polícia Federal por suspeita de comandar o esquema. Bolsonaro se recusa a demitir o ministro e se queixa da atuação da Polícia Federal, subordinada a Moro. Protagonizar uma saída barulhenta do PSL, por causa da falta de transparência na gestão financeira da legenda, pode ser uma maneira de se desvincular do escândalo.
O presidente brasileiro defendeu a taxação de operações financeiras de super-ricos, para financiar o combate…