Nas entrelinhas: Huck, Temer e Alckmin

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A polarização ainda não chegou ao centro; ou seja, há um enorme espaço a ser ocupado, o que alimenta a ideia de um candidato antipolítico

Para a reconstrução do centro democrático como alternativa de poder, apareceu uma espécie de teoria do pó de pirlimpimpim: bastaria um candidato que simbolize a antipolítica, com bom trânsito entre os nossos intelectuais e técnicos iluministas e conhecido no povão para que isso acontecesse num passe de mágica. O apresentador Luciano Huck, por exemplo, preenche muito bem esses requisitos. Vem de uma família de professores universitários, é carinhoso com seu público e tem as ideias liberais que caracterizam a maioria das nossas celebridades quanto aos costumes, o sucesso individual e o glamour social, alavancados pelo empreendedorismo bem-sucedido e pelo alto e bom gosto no padrão de consumo.

Huck é o sujeito que qualquer um que acredita no próprio taco e na ascensão social via “sociedade do espetáculo” gostaria de ser. Seu ingresso na política é um avanço: reflete uma força que vem se manifestando na sociedade de maneira multifacetada: a do nosso “americanismo”, que está em toda parte. No estilo de vida que levamos, nos nossos padrões de consumo urbano e rural, no “neotaylorfordismo” que a “internet das coisas” começa a engendrar, na música, nos movimentos negro e de gênero, mas que ainda não havia chegado com força à nossa política.

Nela emergiu por onde menos se esperava: a alta burocracia do chamado “poder instalado”, via Polícia Federal, Receita Federal, Ministério Público e Justiça Federal. O abre-alas do nosso “americanismo” é a Operação Lava-Jato, que protagoniza uma limpeza ética nas relações promíscuas do Estado com os interesses privados patrocinada pelos políticos e grandes empresários. Mas esbarra nas muralhas de nossa fortaleza ibérica: o Congresso Nacional, com seu patrimonialismo, seu fisiologismo e seu clientelismo atávicos. Desde as jornadas de junho de 2013, nas quais os jovens de todos os matizes protestaram contra as obras e desperdícios da Copa do Mundo (como se viu, um grande butim para os políticos se financiarem nas eleições de 2014), o “americanismo” rondava a política com um discurso antipolítico e moralizador.

Não foi à toa que jovens investidores do mercado financeiro e da inovação tecnológica emergiram como líderes dos protestos organizados pelas redes sociais na campanha do impeachment de Dilma Rousseff, formando movimentos e grupos organizados em rede que agora buscam canais de expressão na grande política institucional. Como não foram capazes de se unificar e formar um grande partido renovador da política brasileira, seja porque não fosse esse o projeto original, seja porque a reforma política foi feita para impedir que isso ocorresse, estão diante da pergunta clássica: o que fazer em 2018? Em todos esses movimentos — Vem Pra Rua, Renova, Agora, etc. —, há jovens empresários que viveram nos Estados Unidos e observaram de perto as campanhas do ex-presidente democrata Barack Obama e do republicano Donald Trump, que alavancaram suas campanhas nas chamadas “novas mídias”, embora com objetivos, estratégias e momentos diferentes. Ambos flanquearam seus respectivos partidos para impor suas candidaturas de fora para dentro.

Bloqueio
Muita água ainda vai rolar até as eleições, porém o roteiro da candidatura de Luciano Huck é mais ou menos esse. A eleição parece polarizada pela dicotomia direita-esquerda, alimentada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pelo deputado Jair Bolsonaro (PSC), que exploram o medo recíproco dos eleitores mais à esquerda e mais à direita. Entretanto, a polarização ainda não chegou ao centro; ou seja, há um enorme espaço a ser ocupado, o que alimenta a ideia de um candidato antipolítico.  Bastaria encontrar um partido com o mínimo de estrutura nacional, algum tempo de televisão e disposição de servir à causa de um projeto transformista liberal pós-moderno. Será?

Depende. Os grandes partidos brasileiros ainda não morreram. Pode ser que se enfraqueçam muito nas eleições, mas resistem. O PMDB, por exemplo, domou a Lava-Jato e controla o governo federal. Enquanto o presidente Michel Temer não desistir de sua enrustida candidatura à reeleição, essa máquina poderosa inviabiliza qualquer candidatura que unifique as forças que apoiaram o impeachment. Não deixa, por exemplo, que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, do PSDB, consiga articular a coalizão dessas forças em nível nacional. A candidatura unificadora do centro democrático é apenas uma narrativa. Não surgirá de articulações iluministas, mas do resultado do primeiro turno, que não terá um candidato único do centro democrático.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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