Lula não apresentou ainda um programa de transição para a economia verde, potencial existente no país; pelo contrário, ressaltou a subordinação da questão ambiental ao imediatismo econômico
Um dos pais da democracia norte-americana, Alexander Hamilton dizia: “A maior parte dos homens que subverteram a liberdade das repúblicas começaram sua carreira cortejando servilmente o povo; começaram como demagogos e terminaram como tiranos”. A frase emblemática frequenta a nossa crônica política desde os primórdios da República e serve de advertência toda vez que um governante coloca a questão democrática em segundo plano e flerta com um apelo às massas para alcançar seus objetivos. No caso brasileiro, desde a Proclamação da República, todos que enveredaram por esse caminho fracassam. O mais bem-sucedido, Getúlio Vargas, tirou a própria vida, no Palácio do Catete, em 1954, para não ser deposto.
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, é o exemplo pronto e acabado do demagogo que virou ditador na América do Sul. A recepção que lhe foi dada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao relativizar as violações de direitos humanos e a falta de democracia no país vizinho, transformou-o em espelho do que poderia vir a ser o rumo político de Lula, não fosse o Brasil um país com instituições republicanas bem mais sólidas do que as da Venezuela. Lula não pode fazer o que quer, quando quer e como quer, as contingências o impedem.
No encontro dos presidentes da América do Sul, Lula deu um tiro no próprio pé ao relativizar o autoritarismo de Maduro e foi flanqueado à direita, pelo presidente do Uruguai, Lacalle Pou, e à esquerda, por seu colega do Chile, o jovem Gabriel Boric, um socialista, que denunciaram as violações de direitos humanos e as fraudes eleitorais no país vizinho. O efeito foi corrosivo para a imagem de Lula e sua política externa, que não conta com consenso político e social amplo. Além disso, deu às oposições de extrema direita e de direita uma narrativa convergente à dos setores de centro que apoiaram Lula no segundo turno e estão cada vez mais críticos e decepcionados com o seu governo.
Entretanto, não é correto deduzir que Lula faz um mau governo, no sentido de que não cuida do bem comum, como diria o mestre Norberto Bobbio. O aumento do salário mínimo, das aposentadorias e do Bolsa Família, promessas de campanha, são mais relevantes do que os ataques verbais à taxa de juros, que está realmente alta para gregos e romanos, que precisam pagar suas contas ou investir. A aprovação do novo arcabouço fiscal, que estabelece regras claras para os gastos públicos, mesmo com as ressalvas de seus críticos, oferece um novo paradigma para a economia, que não saiu do controle. A inflação está em queda e a atividade econômica em franca recuperação.
Nesse quesito, o problema não é o curto prazo, mas o projeto estratégico para a economia brasileira. Lula não apresentou ainda um programa de transição da economia de carbono para a economia verde, que corresponda ao potencial existente no país; pelo contrário, a polêmica em torno da exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, que é uma região da costa brasileira e não a boca do rio em si, ressaltou a subordinação da questão ambiental ao imediatismo econômico, num projeto que exige altos investimentos e pode se tornar um grande mico daqui a 20 anos.
Essa é, sim, uma questão que pode desaguar num mau governo, porque parece priorizar a escala de investimentos no consumo em detrimento dos resultados econômicos de longo prazo. Em entrevista ao Estadão, na quarta-feira, o escritor e cientista político Jorge Caldeira, biógrafo do Barão de Mauá e autor da História da Riqueza do Brasil (Estação Brasil) — uma releitura de intérpretes do nosso desenvolvimento, como Caio Prado Junior e Celso Furtado —, advertia que a antiga busca dos países desenvolvidos de crescer a qualquer custo está perdendo espaço para o planejamento a longo prazo, com foco em zerar a conta de carbono.
Segundo Caldeira, o plano estratégico brasileiro segue no caminho contrário ao priorizar o gasto público como forma de desenvolvimento. “Esse é um método que não é aplicado mais em lugar nenhum do planeta. Isso é o atraso brasileiro.” O escritor é um dos que destacam a importância do Convênio de Taubaté para a industrialização do Brasil. Realizado em 1906, pelos governadores dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, na cidade paulista de Taubaté, seu objetivo foi garantir a rentabilidade da cafeicultura brasileira. À época, o presidente Rodrigues Alves não se dispôs a assumir o ônus dessa política, cabendo a cada um dos estados a compra do café excedente. Com a eleição de Afonso Pena, o governo federal encampou a compra de estoques reguladores, o que deu grande impulso à economia brasileira, até a Grande Depressão de 1929.
O Convênio de Taubaté criou condições para que os cafeicultores paulistas investissem na industrialização, ultrapassado os limites do patrimonialismo que sempre caracterizou as nossas elites econômicas e políticas. Esse exemplo histórico serve para o nosso agronegócio, que lidera a retomada do crescimento da economia e tem condições de investir fortemente na segurança ambiental e na economia verde. Tanto na produção agropecuária propriamente dita quanto na geração de energia limpa e na produção de biocombustíveis, para zerar a nossa conta do carbono, juntamente com o combate ao desmatamento. Temos tecnologia para produzir mais e melhor com menos área ocupada, na agricultura e na pecuária; falta-nos uma política e legislação para compra e venda de créditos de carbono. E uma reaproximação entre o governo Lula e o agronegócio moderno, em bases estratégicas, para derrotar as forças do atraso no Congresso.
O presidente brasileiro defendeu a taxação de operações financeiras de super-ricos, para financiar o combate…