“Santa Rosa estava insatisfeito com o secretário-geral da Presidência, Jorge Oliveira, um major da PM-DF, que engavetou seu polêmico projeto para a Calha Norte da Amazônia”
O general da reserva Maynard Marques de Santa Rosa, um quatro estrelas, deixou ontem a Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência, com mais dois generais da reserva (Lauro Luiz Pires da Silva e Ilídio Gaspar Filho) e dois oficiais de Estado-Maior, todos insatisfeitos com o engavetamento do Projeto Barão do Rio Branco, um plano de desenvolvimento da Calha Norte da Amazônia, que passou a ser considerado mais uma dor de cabeça pelo presidente Jair Bolsonaro. A gota d’água foi a apresentação do projeto em um evento na Câmara, na sexta-feira, intitulado “Amazônia Brasileira para Sempre”, na qual o general adverte que a França e a Inglaterra teriam interesses “imperialistas” históricos na região.
Santa Rosa anunciou o projeto logo ao assumir, em entrevista à Voz do Brasil. Suas propostas mais polêmicas são a construção de uma hidrelétrica no Rio Trombetas, a construção de uma ponte no Rio Amazonas e a conclusão da BR-163 até a fronteira entre Brasil e o Suriname. Santa Rosa já havia defendido a exploração da região amazônica brasileira em um artigo escrito em 2013, intitulado Uma Estratégia Nacional para a Amazônia Legal, mas sua tese ganhou força em razão das propostas de campanha de Bolsonaro, que o levou para a SAE após ser eleito. Não foram poucas as entrevistas nas quais o presidente da República defendeu a intensificação da exploração econômica da Amazônia, mas o debate internacional sobre a preservação da bacia amazônica e sua repercussão nas exportações brasileiras levaram o governo a um reposicionamento.
O general é um dos principais críticos das políticas ambiental e indigenista, que considera empecilhos à soberania nacional. A construção da hidrelétrica no Rio Trombetas teria como objetivo reduzir os apagões na região e garantir o fornecimento de energia para a Zona Franca de Manaus, além de possibilitar a exploração de minérios, como o ouro e a bauxita, por grandes mineradoras. Com a expansão da BR-163, haveria interligação das hidrovias e maior mobilidade para os 800 mil habitantes da região, que ficou praticamente fora da cadeia produtiva da borracha, por causa das características específicas de seu bioma.
Na palestra na Câmara, que postou no YouTube, Santa Rosa destacou que a Amazônia teve uma colonização diferenciada e foi administrada diretamente de Portugal, pelo Conselho Ultramarino, de 1614 até 1823, não sendo seccionada do Brasil por causa da língua e da cultura do caboclo. Segundo ele, os Estados Unidos não se apropriaram da região por causa da Guerra da Secessão; e a Inglaterra, durante a Cabanagem (1835-1840), porque o líder da rebelião paraense, Eduardo Angelim, recusou o apoio britânico para declarar independência. Segundo ele, a França até hoje tem interesse no Amapá.
Faltou combinar
Logo após a assumir a SAE, o general anunciou que o “Plano Nacional de Energia 2030” do Ministério de Minas e Energia prevê a criação de 15 hidrelétricas na Bacia do Rio Trombetas. A primeira hidrelétrica seria a de Cachoeira Porteira, que inundaria terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação. Também seriam exploradas as terras cultiváveis do planalto da Guiana, que ficam entre o Amapá, Roraima e o norte do Pará e do Amazonas. A Calha Norte do Pará, na fronteira, seria integrada ao centro produtivo do estado e do país.
Extremamente pobre e com baixa densidade demográfica, a região é cortada por rios e de difícil acesso. Também é a mais preservada do Pará, estado campeão em desmatamento. A rodovia BR-163, que começou a ser construída nos anos 1970, seria estendida até a fronteira norte do Brasil, ligando hidrovias e cortando a Amazônia do Suriname até o “centro de poder”, Brasília — hoje, a rodovia vai de Tenente Portela, no Rio Grande do Sul, até Santarém, no Pará. Com isso, seria possível escoar a produção de soja do Centro-Oeste pelo Norte do país e integrar uma região até agora “desértica”, nas palavras do demissionário secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
Faltou, porém, combinar com o Congresso e o ministro da Economia, Paulo Guedes. O Plano precisaria de aprovação do Legislativo em decorrência de ocupação de terras indígenas. Além disso, as prioridades de Bolsonaro, no momento, são outras: a aprovação do pacote de medidas que serão anunciadas hoje para destravar a economia, três das quais dependem de emendas constitucionais. Santa Rosa também estava insatisfeito com a troca de comando na Secretaria-Geral da Presidência, cujo titular, Jorge Oliveira, é um major reformado da Polícia Militar de Brasília, que engavetou o projeto Barão do Rio Branco. Ele substituiu o general Floriano Peixoto, atual presidente do Correios. Outros projetos de sua secretaria também estão engavetados, entre eles, industrializar o enriquecimento de urânio e fomentar a pesquisa de fusão nuclear; integrar os sistemas de defesa cibernética; e lançar um satélite nacional com veículo próprio, da base de Alcântara.