Nas entrelinhas: Gabinete do confronto

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Bolsonaro reforçou seu controle sobre os aparelhos de coerção do Estado – Forças Armadas, Justiça, Advocacia Geral da União —, porém, fez concessões ao Centrão

O presidente Jair Bolsonaro surpreendeu o mundo político e a própria equipe de governo com mudanças no Palácio do Planalto, ontem, na sequência do pedido de demissão do ministro Ernesto Araújo, das Relações Exteriores. O troca-troca de ministros mudou completamente a configuração de seu estado-maior. Bolsonaro se prepara para conter a ofensiva da oposição contra seu governo, em razão do descontrole da pandemia do corona- vírus e da recessão, depois de uma semana em que se isolara politicamente, confrontado pelo Centrão.

Bolsonaro reforçou seu controle sobre os aparelhos de coerção do Estado – Forças Armadas, Justiça, Advocacia Geral da União —, ao mesmo tempo em que fez concessões políticas aos novos líderes do Congresso, ao substituir seu chanceler, que já tinha virado um fusível queimado, e entregar a articulação política do governo ao Centrão. Quem imaginava um perfil de conciliação política, errou. Bolsonaro reforçou o aparelhamento do Estado. É um gabinete armado para o confronto, nos dois sentidos, com propósito de barrar qualquer tentativa de impeachment e usar a mão pesada do governo contra a oposição.

Trocando em miúdos, Bolsonaro substituiu o general Fernando Azevedo, que foi pego completamente de surpresa, pelo general Braga Netto, de quem se aproximou muito. Estava insatisfeito com o ministro da Defesa porque não alinhou as Forças Armadas com sua política de confronto com os demais Poderes. A gota d ́água teria sido a entrevista do general Paulo Sérgio, chefe do Departamento de Pessoal do Exército, sobre o alto desempenho da Força na prevenção contra a covid-19 (a taxa de mortalidade por covid-19 do Exército é de apenas 0,13%, enquanto na população em geral é de 2,5%). Bolsonaro não gosta do general Edson Pujol, comandante do Exército, que evita o envolvimento de militares da ativa com a política e combateu o negacionismo da pandemia junto à tropa.

Braga Netto foi chefe de Estado-maior de Azevedo no comando militar do Leste, posto que depois veio a assumir. No governo Michel Temer, foi o interventor federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro, ocasião em que mapeou a atuação das milícias cariocas e da banda podre da polícia, além de combater o tráfico de drogas. Manteve sigilo sobre as investigações no caso Marielle Franco e sobre o envolvimento do clã Bolsonaro com as milícias, no escândalo das “rachadinhas” da Assembleia Legislativa, durante a campanha eleitoral. Na Casa Civil, passou a coordenar todas as ações administrativas de governo, mantendo grande discrição, depois de protagonizar um incidente com Paulo Guedes, ao apresentar um plano de desenvolvimento à revelia do mini stro da Economia. Os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica devem colocar os cargos à disposição.

Articulação política

No Ministério da Justiça e Segurança Pública, assume o delegado da Polícia Federal Anderson Gustavo Torres, o que vai reforçar o controle de Bolsonaro sobre a Polícia Federal, além de estreitar relações com os serviços de inteligência das Polícias Militares. O novo ministro tem estreitas relações com os deputados da chamada “bancada da bala”. Na Advocacia-Geral da União (AGU), retorna o ministro André Mendonça, porque o antigo titular, José Levi Mello do Amaral Júnior, se recusou a mover uma ação contra os governadores em razão do “toque de recolher”. Bolsonaro assinou pessoalmente a ação. No Ministério da Justiça, Mendonça tentou usar a Lei de Segurança Nacional contra oposicionistas.

Na Casa Civil da Presidência, assume o general Luiz Eduardo Ramos, que é amigo de Bolsonaro e pegou gosto pela política, sendo considerado um bom articulador no Congresso. No lugar de Ramos, na secretaria de Governo, assume a deputada federal Flávia Arruda (PL-DF), que presidiu a Comissão de Orçamento. Foi indicada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

No Ministério das Relações Exteriores, assume o embaixador Carlos Alberto Franco França, que chefiava o cerimonial da Presidência. Sem nenhuma experiência no comando de embaixadas, é uma troca para satisfazer as exigências do Senado, principalmente depois das pressões do presidente da Casa, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e do confronto de Araújo com a senadora Kátia Abreu (MDB-TO). O novo chanceler é considerado hábil e moderado, porém, não tem liderança no primeiro time do corpo diplomático.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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