Nas entrelinhas: A frigideira do Jaburu

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A renúncia de Jânio Quadros é uma espécie de lição sobre o poder corrosivo das disputas palacianas

Aos 44 anos de idade, Jânio da Silva Quadros foi empossado presidente da República, eleito pelo voto popular em 3 de outubro de 1960, com 5,6 milhões de votos. Vereador, deputado estadual, prefeito e governador, num curto período de 15 anos, chegou ao poder de forma meteórica. Sua permanência na Presidência durou apenas sete meses, pois renunciou ao cargo, num gesto tresloucado. O que tem a ver a renúncia de Jânio com o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Absolutamente nada, a não ser o fato de que escrevo antes do seu afastamento pelo Senado, embora sabendo que seria aprovado ( em tempo: por 55 votos a favor a 22 contrários, uma abstenção e  4 ausentes).

A renúncia de Jânio vem ao caso por causa da fogueira de vaidades e da rede de intrigas que se instalou no Palácio do Jaburu, onde o vice-presidente Michel Temer se preparava para assumir a Presidência, interinamente, até o julgamento de Dilma. As negociações para a montagem de seu governo provisório, dito de “salvação nacional”, alimentaram fofocas e disputas entre os integrantes de seu estado-maior e desagradaram aos aliados, que foram nomeados e desnomeados ao bel prazer da futura “cozinha” do Palácio do Planalto, onde a frigideira está no fogo. A renúncia de Jânio Quadros é uma espécie de lição sobre o poder corrosivo das disputas palacianas.

Na época, ninguém entendeu nada. Sua carta de renúncia, porém, deixou no ar a intenção de retorno, nos braços do povo, imitando Charles De Gaulle, na França, e Fidel Castro, em Cuba. “Fui vencido pela reação e assim deixo o governo. (…) Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia, que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou de indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a desculpa de colaboração. Se permanecesse, não manteria a confiança e a tranquilidade, ora quebradas, indispensáveis ao exercício da minha autoridade.”

Em 1991, seis meses antes de morrer, Jânio deu sua versão definitiva sobre o episódio:“A minha renúncia era para ter sido uma articulação. Nunca imaginei que ela seria, de fato, executada. Renunciei à minha candidatura à Presidência em 1960 e ela não foi aceita. Voltei com mais fôlego e força. Meu ato de 1961 foi uma estratégia política que não deu certo, uma tentativa de recuperar a governabilidade. Também foi o maior fracasso político da história republicana. O maior erro que já cometi…”

A publicação póstuma do livro A renúncia de Jânio — um depoimento, do jornalista Carlos Castello Branco (Editora Revan), em 1996, lançou novas luzes sobre o episódio: havia uma rede de intrigas no gabinete do presidente da República, protagonizadas por seu secretário particular, José Aparecido de Oliveira, que foi surpreendido pela decisão, e por Oscar Pedroso Horta, ministro da Justiça, que conspirava com os militares. Tudo fora pensado e planejado, mas foi uma jogada infeliz.

A conspiração
Jânio mandou o vice-presidente João Goulart em missão à China, para afastá-lo das articulações políticas. Na época, presidente e vice podiam ser eleitos por partidos diferentes. Goulart (PTB) tinha sido eleito com 36% dos votos, graças a uma manobra dos sindicalistas de São Paulo, que lançaram, a chapa Jan-Jan. Jânio acreditava que não haveria ninguém para assumir o cargo. Achou que os militares, os governadores e o “povo” exigiriam que ficasse. Deu tudo errado.

A crise de seu governo começara logo após ser eleito, ao deixar a cargo de Pedroso Horta a composição de seu ministério. Como não tinha trânsito entre os militares, incumbiu-o de escolher o ministro da Guerra, cargo para o qual foi indicado o marechal Odílio Denys, com apoio do líder da UDN, Carlos Lacerda, conspirador emérito desde o suicídio de Getúlio Vargas. O proprietário e diretor do jornal O Estado de S.Paulo, Júlio Mesquita Filho, indicou os nomes do vice-almirante Sílvio Heck para comandar a Marinha e o do brigadeiro-do-ar Gabriel Grum Moss, para ministro da Aeronáutica.

Durante os poucos meses do governo Jânio Quadros, o diálogo com os militares continuou a cargo de Pedroso Horta, que disputava influência com José Aparecido, secretário particular de Jânio, com grande prestígio entre os políticos, inclusive de esquerda. Diante das insatisfações de Jânio com o Congresso e os sindicatos, Horta tramou a manobra suicida da renúncia, que levou os militares a tentar impedir a posse de Jango. O resto da história é conhecida. A intriga palaciana foi a causa de um dos episódios mais surpreendentes da história política brasileira, cujas consequências se desdobraram por décadas.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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