Nas entrelinhas: Filiação de Bolsonaro ao PL pôs a ética em segundo plano

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A criação do Auxílio Brasil foi tratada como eixo da campanha de reeleição. O novo programa de transferência de renda do governo entra no lugar do Bolsa Família

Ao lado do ex-deputado Valdemar Costa Neto, dono da legenda, o presidente Jair Bolsonaro formalizou, ontem, sua filiação ao PL, em ato que reuniu todas as lideranças do Centrão e consolidou sua base parlamentar,  além de fortalecer sua campanha nos estados do Norte e do Nordeste, principalmente. O grande constrangimento na festa, porém, foi causado pelo senador Flávio Bolsonaro (RJ), que também se filiou à legenda. Ao discursar, o filho 01 chamou de ex-presidiário o ex-presidente Luiz Inácio Lula de Silva, principal concorrente do pai, segundo as pesquisas. Acontece que Costa Neto também é um ex-presidiário, com a diferença de que suas condenações não foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O próprio Flávio Bolsonaro é um político enrolado, porque responde a processo no caso das “rachadinhas” do Rio de Janeiro, uma novela que não acaba. Ontem mesmo, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu manter seu foro privilegiado nesse caso, ou seja, seu destino continua nas mãos da Corte, que anulou quatro relatórios com provas do inquérito, mas manteve um. O discurso causou mal-estar entre os políticos do Centrão, principalmente os que ainda estão respondendo a processos no Supremo.

Ao falar de corda em casa de enforcado, Flávio Bolsonaro desnudou a grande contradição da estratégia de reeleição de Bolsonaro: pôr em segundo plano a bandeira da ética na política, o que vem abrindo o flanco para o crescimento nas pesquisas do ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Enfraquecido eleitoralmente — a avaliação positiva do governo está em apenas 19% —, Bolsonaro aposta todas as suas fichas na aprovação do Auxílio Brasil de R$ 400, em tramitação no Congresso, que deve beneficiar 17 milhões de famílias de baixa renda, o que representa quase 85 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza.

Na própria solenidade de filiação de Bolsonaro ao PL, a criação do Auxílio Brasil foi tratada como eixo de sua campanha e bandeira da legenda. O novo programa de transferência de renda do governo entra no lugar do Bolsa Família, que foi extinto, porque era considerado uma marca do governo Lula. Representará uma injeção de R$ 51,1 bilhões em periferias, favelas e grotões do país, ou seja, além de garantir uma renda mínima aos beneficiados, impactará toda a economia local.

O risco dessa estratégia, porém, é a inflação, principalmente a carestia dos alimentos, porque será inevitável a comparação entre o poder de compra do Bolsa Família, cujo valor máximo era de R$ 205, e o Auxílio Brasil. Essa comparação será feita na época da eleição, no carrinho do supermercado, principalmente por causa do valor da cesta básica, que hoje varia de R$ 39,99, o modelo B (13 itens), a R$ 139, o modelo H (29 itens).

Natal dos pobres

Além do Auxílio Brasil, Bolsonaro aposta no chamado “orçamento secreto”, a liberação de emendas parlamentares para os aliados do Centrão, que está sofrendo uma maquiagem para burlar o controle da opinião pública e dos órgãos de fiscalização. Pela regulamentação aprovada pelo Congresso na segunda-feira, além de não revelar os autores e a destinação das emendas que já foram executadas, o relator do Orçamento poderá aceitar propostas de emendas feitas diretamente por instituições e prefeituras, ocultando a intermediação do parlamentar que articulou a aprovação da emenda. Estima-se que essas emendas somam quase R$ 30 bilhões na base dos parlamentares que aprovaram o novo regulamento.

A batalha decisiva para Bolsonaro consolidar essa estratégia eleitoral, focada na população de baixa renda, é a aprovação da PEC dos Precatórios. A proposta terá um impacto estimado de R$ 106 bilhões no deficit fiscal, furando o teto de gatos nesse montante, o que está sendo muito criticado pelos analistas de mercado e agentes econômicos, entre outras coisas, porque gera mais inflação, alta dos juros e grande desvalorização da moeda.

O texto adia o pagamento de parte dos R$ 89 bilhões previstos para serem quitados no ano que vem, na forma de precatórios — as dívidas da União reconhecidas pela Justiça. O governo trabalha para que a PEC seja promulgada pelo Congresso a tempo de o benefício de R$ 400 ser pago em dezembro, antes do Natal. Com isso, Bolsonaro espera se apresentar aos eleitores como uma espécie de Papai Noel dos pobres, melhorar os índices de aprovação do governo e alavancar seu nome nas pesquisas eleitorais, aproveitando o clima de “ano-novo, vida nova” que costuma beneficiar os governantes.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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