A decisão de afastar Renan, depois dos protestos contra o presidente do Senado, veio ao encontro da opinião pública e da Lava-Jato
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), foi afastado do cargo ontem por uma decisão monocrática do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, que acolheu pedido da Rede Sustentabilidade. “Defiro a liminar pleiteada. Faço-o para afastar não do exercício do mandato de senador, outorgado pelo povo alagoano, mas do cargo de presidente do Senado o senador Renan Calheiros. Com a urgência que o caso requer, deem cumprimento, por mandado, sob as penas da Lei, a esta decisão”, afirma o despacho. Para o ministro, Renan não pode continuar no cargo porque, como réu, não poderia estar na linha sucessória da Presidência da República.
A decisão agrava a crise entre o Congresso e o Judiciário, uma vez que Renan lidera as articulações para aprovar uma nova lei de abuso de autoridade, que magistrados, procuradores e delegados federais reputam como uma tentativa de intimidação. Na semana passada, em audiência pública, mesmo depois de perder em plenário uma votação para aprovar a urgência do projeto, Renan submeteu o juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba e da Operação Lava-Jato, a grande constrangimento. Mas se tornou o principal alvo dos protestos realizados no domingo passado, em defesa de Moro e da Lava-Jato.
Repete-se a situação pela qual passou o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que também acabou afastado do cargo pelo Supremo. A diferença é que a decisão de Marco Aurélio foi monocrática e não era esperada por Renan. O julgamento da ação que impede réus de participarem da linha de sucessão da Presidência ainda não foi concluído, em razão de um pedido de vista do ministro Dias Toffoli, embora a maioria já esteja definida. Renan pode recorrer ao pleno do Supremo e seu afastamento, segundo a Constituição, também precisa ser referendado pelo plenário do Senado.
Por três vezes, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, já havia requerido ao Supremo a prisão de Renan, com o argumento de tentar obstruir as investigações da Lava-Jato, mas todas as liminares foram negadas, inclusive por ocasião da prisão do então líder do governo Dilma, senador Delcídio do Amaral (PT-MS). Dizia-se, à época, que uma decisão desse tipo jamais seria referendada pelo plenário do Senado. Mas a situação, agora, é completamente diferente. Na semana passada, 44 senadores votaram contra Renan, que pretendia aprovar, a toque de caixa, uma nova lei contra abuso de autoridade. No dia seguinte, o presidente do Senado virou réu no Supremo, por oito votos a três. Renan responde a mais oito inquéritos na Operação Lava-Jato.
Havia uma expectativa de que Renan concluísse seu mandato na presidência do Senado, porque o julgamento sobre a questão do réu à frente do Legislativo não havia terminado, em razão do pedido de vista de Dias Toffoli. Acusado de favorecer Renan, o ministro alegou que não havia recebido o processo das mãos do relator, justamente Marco Aurélio, que atropelou o colega com a decisão de ontem. “Urge providência, não para concluir o julgamento de fundo, atribuição do plenário, mas para implementar medida acauteladora, forte nas premissas do voto que prolatei, nos cinco votos no mesmo sentido, ou seja, na maioria absoluta já formada, bem como no risco de continuar, na linha de substituição do Presidente da República, réu, assim qualificado por decisão do Supremo”, disse Marco Aurélio.
Complicador
A decisão complica a vida do governo Temer. Renan será sucedido pelo senador Jorge Viana (PT-AC), de oposição. Em um primeiro momento, o petista anunciou que não vai alterar a agenda já pactuada entre Renan e os líderes da Casa. Para o Executivo, isso é bom, por causa da conclusão da votação da PEC do teto dos gastos. Para o Judiciário, pode não ser bem assim, porque estava prevista para hoje a votação da lei de abuso da autoridade, cujo relator é o senador Roberto Requião (PMDB-PR), aliado de Renan. Pode ser, porém, que os líderes resolvam baixar a bola e adiar a votação, contendo a escalada da crise entre o Legislativo e o Judiciário. O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) anunciou que já tem assinaturas suficientes para retirar o projeto de pauta.
A decisão de afastar Renan, na sequência dos protestos de rua contra o presidente do Senado e o Congresso, veio ao encontro da opinião pública e da força-tarefa da Operação Lava-Jato. Em contrapartida, é uma segunda intervenção do Judiciário no Congresso, o que revela desequilíbrio e desarmonia entre os Poderes, exatamente o contrário do que reza a Constituição. Há um choque entre os políticos e o Poder instalado, que desde o afastamento de Cunha passou a ser protagonizado por Renan. Nos bastidores, o apoio ao presidente do Senado era muito maior do que aparentava. Agora, com o afastamento, Renan está ferido de morte.