“Bolsonaro não seguiu o protocolo médico ao pé da letra, porque não se desligou do cargo para tratar somente da saúde. Insistiu em reassumir a Presidência dois dias depois da operação”
A recuperação do presidente Jair Bolsonaro está mais complicada do que se imaginava. Segundo a equipe médica do Hospital Alberto Einstein, uma tomografia de tórax e abdome mostrou “boa evolução do quadro intestinal e imagem compatível com pneumonia”. O boletim médico também registrou febre na noite de quarta-feira. Bolsonaro passou por uma cirurgia para retirar uma bolsa de colostomia e refazer a ligação entre o intestino delgado e parte do intestino grosso, em 28 de janeiro, sequelas da facada que levou em Juiz de Fora na campanha eleitoral.
Voltamos assim ao tema da necessidade de separação entre o paciente e o presidente, que já abordamos aqui na coluna. A verdade é que Bolsonaro não seguiu o protocolo médico ao pé da letra, porque não se desligou do cargo para tratar somente da saúde. Insistiu em reassumir a Presidência dois dias depois da operação, quando deveria deixar a função a cargo do vice-presidente, Hamilton Mourão, por mais que isso incomode aos seus partidários ciumentos. No fundo, é uma grande bobagem, porque a situação em que se encontra, lutando para restabelecer a saúde, reforça o “mito”; isto é, ao mesmo tempo, deifica e humaniza sua imagem.
Segundo o porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, foram feitos exames viral e bacteriano, e descartaram o viral. “Trata-se de uma causa bacteriana”, disse, ou seja, há uma infecção a ser combatida. Por isso, os médicos trataram de reforçar a dose de antibióticos. Bolsonaro não sente dor, continua com uma sonda nasogástrica e um dreno no abdome. Recebe alimentação parental e líquidos por via oral; faz exercícios respiratórios e caminha pelos corredores. É um paciente que está em recuperação, que precisa de cuidados especiais, mas não corre risco de vida.
Também não corre o menor risco político, apesar das teorias conspiratórias em relação a Mourão. A oposição não tem interesse que o vice substitua Bolsonaro, simplesmente porque prefere um político na Presidência; um general, não. Os demais generais que já mandam no governo não pretendem trocar um ex-capitão com 30 anos de experiência parlamentar e grande popularidade, eleito por voto direto, por um colega eleito de carona. O que existe nos bastidores do governo é uma disputa entre a turma do bom senso, que prefere um ambiente de negociação com o Congresso e diálogo com a sociedade, e a tropa de choque de Bolsonaro, que ascendeu ao governo e ainda não desceu do palanque eleitoral.
Apoio condicionado
Enquanto o presidente permanece hospitalizado, o governo vai bem, obrigado, na relação com o Congresso. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), está alinhado com as reformas e mantém diálogo fácil com o ministro da Economia, Paulo Guedes. Na Presidência do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) é um aliado de primeira hora. A propósito, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, surpreendeu a oposição com o movimento de reaproximação com a ala derrotada do MDB no Senado, ao pedir que Alcolumbre sondasse o senador Fernando Bezerra (MDB-PE) para saber se o político pernambucano aceitaria ser o líder do governo na Casa. Aceitou de pronto.
O reequilíbrio nas relações do Palácio do Planalto com o MDB no Senado segue a velha receita da política de conciliação; o partido já se reposiciona para negociar seu apoio com o Palácio do Planalto. Essa aproximação deve se consolidar com a indicação de um deputado do MDB para a liderança do governo no Congresso. O mais cotado é o deputado Alceu Moreira (RS), gaúcho e líder ruralista.
O ponto fora da curva é o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), que sofre com o fogo amigo. Pisou na bola ao convocar uma reunião de parlamentares do “apoio consistente” e do “apoio condicionado”, ou seja, da oposição. Os grandes partidos da base do governo não foram à reunião. Estreante na Câmara, lida com um problema que não é novo. A negociação da reforma da Previdência está sendo feita diretamente entre o ministro Paulo Guedes e o presidente da Casa, Rodrigo Maia, mais ou menos como aconteceu com o Plano Real, quando o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, passou a negociar diretamente com o presidente da Câmara, Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA).
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