O governo corre atrás do prejuízo, depois de fazer vista grossa à jogatina digital, na expectativa de aumentar a arrecadação de impostos
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou, ontem, que até 600 sites de apostas on-line, as chamadas bets, serão banidos do Brasil nos próximos dias por irregularidades em relação à legislação aprovada pelo Congresso Nacional. Desde a semana passada, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) está fazendo um pente-fino para bloquear os sites. O ministro recomendou aos apostadores que retirem seu dinheiro o quanto antes. Haddad admitiu que a febre de apostas está “completamente fora de controle” e que os sites devem ter regulamentação, como acontece com o fumo e a bebida alcoólica.
O governo corre atrás do prejuízo, depois de fazer vista grossa à jogatina digital, na expectativa de aumentar a arrecadação de impostos. Agora, pretende coibir o mau uso das apostas, por meio da limitação das formas de pagamento e da regulamentação da publicidade das empresas. “Vamos acompanhar CPF por CPF a evolução da aposta e do prêmio para evitar duas coisas: quem aposta muito e ganha pouco está com dependência psicológica do jogo e, quem aposta pouco e ganha muito, está, geralmente, lavando dinheiro”, disse Haddad.
Em cinco anos, segundo o Instituto Locomotiva, especializado em pesquisas de consumo, o número de brasileiros que apostaram nas bets chegou a 52 milhões, sendo 48% de novos jogadores neste ano. Homens são 53%, e 47%, mulheres. Quatro de cada 10 têm entre 18 e 29 anos, 41% de 30 a 49 anos, e 19% têm 50 anos ou mais. Oito de cada 10 são das classes C, D ou E, e dois de cada 10 são da classe A ou da B. Sete de cada 10 apostadores costumam jogar, pelo menos, uma vez ao mês. Dos que já ganharam a aposta, 60% usaram ao menos parte do valor do prêmio para tentar uma nova jogada.
Caberá à Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda conceder a permissão àquelas que cumprirem as exigências legais. A razão das restrições é a dependência psicológica em relação às bets, que se tornou um problema social grave, financeiro e de saúde pública. Liberadas no Brasil desde 2018 sem qualquer regulação, as apostas esportivas on-line criaram um mercado bilionário no país por meio muita propaganda nas tevês e redes sociais, têm causado endividamento em massa, dependência crônica às apostas e impacto no consumo e na poupança das famílias. Segundo levantamento do Itaú, os brasileiros perderam 23,9 bilhões de reais em apostas esportivas entre junho de 2023 e junho deste ano, a maioria, de baixa renda. As bets movimentaram no total cerca de 68,20 bilhões de reais no país no período.
Foi depois da Copa do Mundo de futebol de 2022 que o volume de apostas realmente começou a crescer no Brasil. Havia previsão de que a regulamentação fosse feita em, no máximo, quatro anos, o que não aconteceu. O Congresso aprovou uma regulação parcial proposta pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A segunda etapa da regulamentação são as regras de operação definidas pelo Ministério da Fazenda que entrarão em vigor a partir de hoje. Entretanto, há mais de uma dezena de projetos de regulamentação na Câmara e muito lobby já está sendo feito em benefício da jogatina.
No último ano, com a perspectiva de regulação, grandes sites internacionais chegaram ao país com gastos vultuosos em propaganda, em parceria com empresas brasileiras, inclusive com patrocínio em praticamente todos os clubes de futebol de elite brasileiros, além dos principais campeonatos. O impacto no consumo das famílias foi imediato. Segundo nota do Banco Central (BC), os beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em bets via Pix em agosto. Cerca de 5 milhões de beneficiários, de um total aproximado de 20 milhões, fizeram apostas por essa via de pagamento instantâneo. O gasto médio foi de R$ 100. Dos 5 milhões de apostadores, 70% são chefes de família e enviaram R$ 2 bilhões às bets (67% do total de R$ 3 bilhões). O relatório inclui tanto as apostas em eventos esportivos como jogos em cassinos virtuais.
A epidemia das bets também virou um caso de polícia. Operações policiais envolvendo empresas que atuam no mercado de apostas de forma criminosa lançaram um facho de luz sobre a gravidade do problema. De janeiro a julho deste ano, 25 milhões de pessoas passaram a fazer apostas esportivas em plataformas eletrônicas, uma média de 3,5 milhões por mês. Em 11 meses, contagiou mais gente do que a pandemia da covid-19. Celulares, o apelo publicitário do futebol e a dinâmica do jogo são os grandes atrativos dessas plataformas.
Entretanto, 86% das pessoas que apostam têm dívidas, e 64% estão negativadas na Serasa. Seis de cada 10 admitem que a prática afeta o estado emocional e causa sentimentos negativos, como ansiedade (41%), estresse (17%) e culpa (9%). Mais: 45% admitem que as apostas “causaram prejuízos financeiros”, 37% usaram “dinheiro destinado a outras coisas importantes para apostar on-line”, e 30% afirmaram ter “prejuízos nas relações pessoais”. O impacto do endividamento de apostadores com o cartão de crédito para pagar apostas, a suspeita publicidade milionária com artistas e influenciadores digitais, e patrocínio de bets numa escala sem precedentes são realmente muito preocupantes. Por isso, o senador Omar Azis (PSD-AM), que presidiu a CPI da Pandemia no Senado, quer suspender as bets no Brasil até que haja regulamentação adequada.
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