Nas entrelinhas: Ex-chefe da Abin confirma a omissão da segurança da Presidência

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A omissão do GSI em 8 de janeiro agora é o principal argumento da oposição na CPMI, que acusa o próprio governo de uma “armação” para que o Planalto fosse invadido

No seu depoimento à CPMI dos Atos Golpistas, o ex-diretor adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Saulo Cunha complicou a situação do general Gonçalves Dias, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, quanto à omissão da segurança do Palácio do Planalto em 8 de janeiro. Cunha era o diretor em exercício da agência quando os palácios dos Três Poderes foram invadidos e vandalizados.

Ele declarou que avisou ao então ministro do GSI, general Gonçalves Dias, sobre os riscos de ocorrer a invasão. O ex-diretor da Abin disse que fez o alerta pessoalmente uma hora antes dos atos se concretizarem. “Um pouco antes de a marcha começar o deslocamento, nós já tivemos informações de que havia, entre os manifestantes, efetivamente, um chamamento, inclusive estavam fazendo isso no carro de som, há relatórios aí, há fotos, para chamamentos para invasões de prédios, certo? Por volta das 13h, 13h e alguma coisa”, relatou.

O depoente foi contactado por um colega responsável pela segurança de um dos órgãos dos Três Poderes, muito preocupado com a situação, logo após a marcha ser iniciada. “E ele, inclusive, me pede para falar com o general G. Dias, e eu passo o contato do general. E ligo para o general G.Dias por volta das 13h30”, completou. Cunha revelou que avisou ao então ministro do GSI sobre os riscos de ocorrer a invasão uma hora antes de os atos se concretizarem, mas o general pediu que remetesse diretamente aos seus auxiliares e não fizesse novos contatos com ele.

O ex-chefe da Abin avalia que as intenções dos manifestantes realmente eram golpistas: “Havia uma ameaça de ruptura constitucional, a partir do momento, como os próprios fatos demonstram, em que as sedes dos Três Poderes foram ocupadas e vandalizadas. É uma ameaça à ordem constitucional”, completou.

Essa informação coincide com o relatório do Exército, que responsabiliza o GSI pela falta de planejamento e pronta reação aos invasores, com o argumento de que a Guarda Presidencial não foi acionada. G. Dias acabou no fogo cruzado entre seus colegas de caserna e a Abin. Sua oposição é, no mínimo, ambígua em relação ao que estava ocorrendo.

Os dois responsáveis diretos pela defesa do palácio em 8 de janeiro eram oficiais indicados pelo general Augusto Heleno, chefe do GSI do governo Bolsonaro, mantidos por G.Dias, que renunciou ao cargo após a invasão da sede do governo.

O relatório do Exército responsabiliza o general Carlos Feitosa Rodrigues, ex-secretário de Segurança e Coordenação Presidencial, e o coronel Wanderli Baptista da Silva Junior, ex-chefe do Departamento de Segurança Presidencial, por não terem levado em consideração as informações da Abin e acionado as tropas do Exército.

“Boa praça”

Como há fortes suspeitas de que havia uma conspiração golpista com participação de militares que assessoravam diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro, o depoimento de Saulo Cunha deixou Gonçalves Dias numa saia justa. Gozava de plena confiança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem cuidou da segurança na Presidência nos dois primeiros mandatos. Mas sempre teve um espírito de comandante “boa praça”, como ficou demonstrado na greve da Polícia Militar baiana, em fevereiro de 2012, no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff.

Na ocasião, comandava a 6ª Região Militar, da qual acabou afastado por fraquejar na operação militar montada para debelar o motim da PM da Bahia. Foi afastado da chefia da operação pelo comandante do Exército, general Enzo Martins Peri, que deslocou para o estado o general Odilson Sampaio Benzi, comandante militar do Nordeste.

O motivo foi a sua confraternização com os grevistas em frente à Assembleia Legislativa baiana, ocupada pelos manifestantes, alguns deles com ordem de prisão decretada pela Justiça. Dirigindo-se a um grupo de PMs, com lágrimas nos olhos, Gonçalves Dias disse: “Não vai ter combate, não vai ter invasão, não vai ter nada”. O general fazia aniversário e aceitara um bolo dos grevistas, em sua homenagem. O choro do general frente às câmeras de tevê foi desmoralizante e convenceu o Alto Comando do Exército de que lhe faltava liderança.

O 8 de janeiro foi outro “case” de falta de liderança. As imagens gravadas pelas câmeras de segurança do Palácio do Planalto mostram uma atuação apaziguadora e até condescendente com os invasores por parte do militar, em meia à desorientação dos responsáveis pela segurança física da Presidência. Uma discussão entre um oficial do Exército que comandava a guarnição do palácio e um oficial da Polícia Militar, que deu voz de prisão aos invasores, é outra prova cabal de que nada funcionou direito.

À paisana, a maior preocupação de Gonçalves Dias quando chegou ao Planalto parecia ser muito mais com a integridade física dos invasores do que com a proteção do patrimônio público e a defesa da inviolabilidade de um poder constituído democraticamente pelo povo, cujo valor é altamente simbólico. A omissão do GSI em 8 de janeiro agora é o principal argumento da oposição na CPMI, que acusa o próprio governo de uma “armação” para que o Planalto fosse invadido. O comportamento de Gonçalves Dias, segundo eles, corrobora a tese, o que não é o caso. Mas é difícil acreditar que o então chefe do GSI não soubesse o que aconteceria. Estava suficientemente informado pela Abin.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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