Não há como retomar o crescimento com inflação controlada e justiça social sem enfrentar os problemas do gasto público e da Previdência
Cidade parque, conceito adotado por Lúcio Costa, cujo projeto urbanístico completou 60 anos, Brasília não tem esquinas, queixam-se os forasteiros que chegam por aqui. Em compensação, na Praça dos Três Poderes, não faltam encruzilhadas em relação ao futuro do país. Tem a esquina da Operação Lava-Jato (anistia ou não para o caixa dois eleitoral), da reforma política (voto uninominal ou voto em lista), do julgamento da chapa Dilma Rousseff- Michel Temer (separa ou não separa as contas de campanha), das reformas da Previdência e trabalhista (faz agora ou deixa pra depois) e da taxa juros (reduz devagar ou acelera), só para citar as mais próximas.
Todas estão associadas a escolhas estratégicas dos governantes, tanto àquelas que já foram feitas ou quanto às que foram empurradas com a barriga. No primeiro caso, por exemplo, estão o caixa dois eleitoral, o julgamento das contas de campanha e a redução da taxa de juros; no segundo, as reformas política, trabalhista e da Previdência. Escolhas sempre representam perdas, porque é preciso abrir mão de alguma coisa para obter algo em troca. A escolha errada é resultado da relação custo-benefício. O país está pagando alto preço pelas escolhas feitas pelos governos Lula e Dilma. Muitos dirão que nossos problemas são seculares; por que, então, culpam o governo Temer? Realmente, há muitas maneiras de olhar o passado.
Um diagnóstico preciso ajuda a acertar nas decisões estratégicas. Via de regra, porém, nas situações novas, a intuição, o bom senso e as soluções criativas colhem resultados melhores do que se imagina, mesmo com diagnóstico precário. Os economistas brasileiros estão se digladiando nos diagnósticos, em busca de soluções para velhos problemas. O ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, por exemplo, avalia que o Brasil não tem como retomar o crescimento com inflação controlada e justiça social sem enfrentar os problemas da contenção do gasto público e da Previdência.
Segundo ele, o país passou por três grandes transformações que pressionam os gastos públicos. A primeira foi a urbanização acelerada (inchaço das cidades) e a mudança de perfil demográfico (redução da taxa de natalidade e aumento da longevidade); a segunda, a carência de infraestrutura física (transporte, energia, portos, saneamento); a terceira, a falta de “infraestrutura humana” (educação, saúde, segurança) e a desigualdade (distribuição de renda e de oportunidades). Governos democráticos (de 1946-1964 e de 1985 ao presente) ou centralizadores e autoritários (de 1937-1945 e 1964-1985) foram contingenciados por essas transformações.
O Brasil é a terceira maior democracia de massas do mundo, após a Índia e os EUA; o quinto país em população e extensão territorial; e o terceiro em aumento da população urbana. Destaca Malan: “Enquanto nossa população total aumentou cerca de quatro vezes entre 1950 e 2017 (de 51,9 milhões para 207,6 milhões estimados), a nossa população urbana passou de 36% do total em 1950, para cerca de 86% em 2017 (isto é, de 18,7 milhões para 178 milhões, um aumento de 9,5 vezes). Nem nos EUA o aumento absoluto da população urbana no período chegou aos nossos 160 milhões no período. Nem as populações urbanas da China e da Índia no período se multiplicaram 9,5 vezes.”
Velhice
Em contrapartida, no espaço de uma geração, a taxa de natalidade caiu abruptamente e a expectativa de vida aumentou: “De taxas de crescimento que chegaram a superar os 3% ao ano nos anos 50 e 60 (média de 2,8% ao ano entre 1950 e 1980) passamos hoje, em 2017, a uma taxa de crescimento populacional da ordem de 0,77% e declinará para menos de 0,4% na segunda metade da próxima década”. Com 207,6 milhões de habitantes, o Brasil chegará aos 218 milhões por volta de 2025, alcançará seu ponto máximo de pouco mais de 228 milhões no início dos anos 2040 e começará a declinar, voltando aos 218 milhões em 2060. A partir de 2050, só a faixa etária dos 60 anos de idade ou mais crescerá.
Malan faz projeções: A expectativa de vida ao nascer de um brasileiro em meados na década dos 1940 era da ordem de 45 anos. Hoje, ao nascer, é de mais de 75 anos (79 para mulheres e 72 para homens). Mas para quem chega aos 55 anos (próximo da idade média de quem se aposenta por tempo de contribuição), a expectativa de vida é de 81 anos, ou seja, 26 anos a mais. Para quem chega aos 65 anos, a expectativa é de 82 anos para homens e 85 para mulheres. Hoje, os idosos são 12 entre cada 100 trabalhadores. Na próxima década, 18 para cada 100; em 2050, serão 30% da população. Em 2060, os idosos representarão cerca de 45% do total. Quem serão? Os que hoje têm mais de 12 anos, se considerarmos a idade mínima para aposentadoria proposta pela reforma de Previdência. Esse é apenas um dos grandes problemas estruturais do país, que envelheceu sem enriquecer.
Malan é um economista, digamos, social liberal. É acusado de ser neoliberal por economistas que se consideram herdeiros de Celso Furtado e Inácio Rangel, que viam a inflação com certa benevolência, como Bresser Pereira, e querem forçar a retomada do crescimento a taxas elevadas. Essa foi a lógica do Plano Cruzado, no governo Sarney. A revista The Economist mostra o Brasil na capa de sua última edição como um dos balões que sobem na economia mundial em recuperação, ao lado dos Estados Unidos, União Europeia, China, Reino Unido, Japão e Índia. “Mesmo em lugares afeitos à recessão (nosso caso), o pior já passou”, avalia. Tem gente que acha pouco.
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