Nas entrelinhas: Espírito natalino

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Políticos e empresários não pensam da mesma forma em relação ao ajuste fiscal, o que torna a recuperação da economia mais lenta e a instabilidade política maior

Com um olho no peixe, a base governista no Congresso, e outro no gato, o movimento sindical, o presidente Michel Temer deu duas cartadas no fim do ano com objetivo de conter a recessão e o desemprego: de um lado, liberou recursos das contas inativas do FGTS, que podem representar uma injeção de R$ 30 bilhões na economia, sem recorrer ao Tesouro Nacional; de outro, anunciou um pacote de mudanças na legislação trabalhista, cujo eixo é a flexibilização por meio de contratos coletivos entre patrões e empregados, o que supostamente permitirá a contenção do desemprego.
A primeira medida é uma espécie de ovo de Colombo, pois a liberação dos recursos inativos do FGTS, que somente seriam sacados nas aposentadorias, servirá para liquidar débitos e fugir do cheque especial e das dívidas com o cartão de crédito. Essas contas rendem apenas 0,3% ao mês, enquanto os juros cobrados nos cartões e no cheque especial são astronômicos, chegando em alguns casos a absurdos 450%. As medidas que flexibilizam a legislação trabalhista são audaciosas, porém podem enfrentar a rejeição dos sindicatos, mas esse será um assunto para ser debatido no Congresso no próximo ano. A expectativa é que a medida sirva para facilitar contratações, mas também pode provocar reduções de salários e até demissões.

O governo trabalha com a expectativa de que os juros começarão a cair em razão da redução da inflação, que o Banco Central espera trazer para o centro da meta de 4,5% no próximo ano. Essa é a razão do otimismo demonstrado ontem pelo presidente Temer, que chegou a ironizar a própria impopularidade ao explicar as medidas: “Um governo com popularidade extraordinária não poderia tomar medidas impopulares. Estou aproveitando essa suposta baixa popularidade para tomar medidas impopulares, que, caso contrário, não tomaríamos”, disse. Essa tese foi defendida na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico por alguns empresários, entre eles o publicitário Nizan Guanaes.

Com as medidas anunciadas ontem, o governo espera recuperar a confiança do meio empresarial, ainda muito impactado pelos desgastes provocados pela delação premiada do ex-diretor da Odebrecht Cláudio Melo Filho, que citou Temer e o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, entre outros. Temer sabe que a sustentação de seu governo depende do apoio de sua base parlamentar e da confiança do mercado na equipe econômica. Acontece que políticos e empresários não pensam da mesma forma em relação ao ajuste fiscal, o que torna a recuperação da economia mais lenta e a instabilidade política maior. A aprovação da renegociação das dívidas dos estados pela Câmara no começo da semana, sem as necessárias contrapartidas, por exemplo, desgastou o governo nos meios empresariais; a liberação das contas inativas do FGTS e a flexibilização da legislação trabalhista vieram para compensar o desgaste.

Lava-Jato

O acordo de leniência da Odebrecht e da Braskem, de certa forma, também foi visto no mercado como uma espécie de luz no fim do túnel para as empresas enroladas no escândalo da Petrobras. Mas, em contrapartida, fechou o cerco sobre os políticos envolvidos no escândalo. Para muitos, a prioridade dos procuradores da Operação Lava-Jato seria expurgar a elite política do país que usou e abusou do caixa dois, enquanto os empresários que colaboraram com as investigações terão penas abrandadas e preservarão boa parte do patrimônio. Essa interpretação é que alimenta as tentativas de conter a atuação dos investigadores.
Com o recesso, a tensão entre o Congresso e o Judiciário arrefeceu. O epicentro do conflito, agora, está novamente em Curitiba. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já é réu em cinco processos, recrudesceu seu confronto com o juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, seu algoz. Lula tenta politizar a Lava-Jato e caracterizar uma eventual condenação como perseguição política, para se manter como alternativa de poder em 2018. No caso de se tornar inelegível, o que é mais provável, pretende se passar por vítima e apoiar outro candidato. Seu discurso de campanha já está pronto: foi o presidente que mais gerou emprego e distribuiu renda na história do país, por isso estaria sendo atacado.
O acordo de leniência da Odebrecht e da Braskem com as autoridades norte-americanas e suíças foi um balde de água fria nessa estratégia, inclusive porque internacionalizou ainda mais o escândalo da Petrobras, o que fragiliza a campanha de solidariedade que os petistas organizam ao redor do mundo, principalmente na Europa. Mesmo assim, o PT tenta exumar o velho discurso anti-imperialista e conspiratório da esquerda brasileira, com o argumento de que o acordo confirma existência de um plano norte-americano para prejudicar as empresas brasileiras no exterior e internacionalizar o petróleo da camada pré-sal.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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