O maior legado das Olimpíadas para o Rio será sua consolidação como polo turístico internacional, muito mais do que a do Brasil como potência esportiva
Há muitas maneiras de olhar as Olimpíadas do Rio de Janeiro. A mais positiva é considerá-la o maior espetáculo de confraternização entre os povos e da paz na Terra, torcer pelo Brasil e para que tudo dê certo na Cidade Maravilhosa, deixando, para depois, o debate sobre o nosso sucesso ou não nos jogos e seu legado para os cariocas, os gastos milionários e o risco de estádios se tornarem elefantes brancos – uma discussão inevitável nas eleições municipais.
Como a Copa do Mundo de 2014, as Olimpíadas faziam parte de uma estratégia de poder e de projeção internacional do PT, do oba-oba ufanista do governo Lula em aliança com o prefeito carioca Eduardo Paes e o ex-governador fluminense Sérgio Cabral. Vivia-se a euforia da descoberta do petróleo da camada pré-sal, o sonho do Brasil potência e da perpetuação dos petistas no poder. Por causa do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, porém, a festa caiu no colo do presidente interino Michel Temer, que levou uma vaia anunciada no Maracanã, e da antiga oposição, representada na segurança dos jogos pelo ministro da Defesa, Raul Jungmann.
Olhar os jogos com maniqueísmo é um erro, seja-se a favor ou contra. Não faltam controvérsias sobre as intervenções urbanas que antecederam a realização dos jogos. A principal delas é a transformação de toda a região portuária do Rio num polo turístico cultural, com projetos imobiliários pautados pela especulação. A recessão, porém, deixou de joelhos o mercado de imóveis, mas aquela região degradada do Rio, mesmo assim, está sendo revitalizada. Também haverá muita discussão sobre os custos da nova linha do Metrô, que chegou à Barra da Tijuca, e do moderno sistema de bondes que liga o Aeroporto de Santos Dumont à Rodoviária Novo Rio, passando pela antiga Avenida Rio Branco, símbolo da reforma urbana do prefeito Pereira Passos, na década de 1920. Mas são duas mudanças de paradigma de mobilidade, uma humanizando o velho centro da cidade, outra integrando uma região que muitos consideram outra cidade.
Mas esse debate foi eclipsado pela abertura da festa olímpica. É assunto para depois. Quem insistir corre o risco de ficar falando sozinho. As Olimpíadas não têm a menor chance de fracassar como espetáculo. Estão associadas a valores humanos positivos, como a criatividade, a coragem, a disciplina e a ética, e também aos atributos da espécie, como a beleza, a emoção, a força, a resistência e a superação. Com a tevê a cabo e as novas mídias digitais não existe melhor matéria-prima para a crise de produção de conteúdo que esses novos veículos demandam. E não faltam as fontes de seu financiamento com o marketing esportivo, no qual as marcas agregam valor aos seus produtos e serviços, associando-os às imagens que esses valores e atributos constroem e consolidam durante a realização dos jogos.
Estamos falando da chamada “sociedade do espetáculo”, para usar a expressão criada pelo filósofo e cineasta francês Guy Debord no livro A sociedade do espetáculo – Comentários sobre a sociedade do espetáculo (Editora Contraponto, Rio de Janeiro, 2000), obra iniciada às vésperas das manifestações de maio de 1968, na França, e complementada 20 anos depois. Para ele, o espetáculo é “a multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos de consumo, de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum: celebridades, atores, políticos, personalidades, gurus, mensagens publicitárias – tudo transmite uma sensação de permanente aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia.”
O legado
Debord analisou as Olimpíadas das décadas de 1960 e 1970 com um duro olhar sobre o socialismo real. Via manipulação no esforço esportivo da antiga União Soviética e Alemanha Oriental, com objetivo de construir a imagem de suposta supremacia do socialismo sobre o capitalismo, o que chamava de “espetáculo concentrado”. Mas também fez um duro ataque à sociedade de consumo, na qual “o espetáculo é a aparência que confere integridade e sentido a uma sociedade esfacelada e dividida”, que associa a felicidade ao consumo.
Nada disso invalida as Olimpíadas. Como já disse, elas são o espetáculo da paz e o mundo precisa disso, sem falar numa cidade partida e conflagrada pela violência como o Rio de Janeiro. Se tudo der certo, o maior legado das Olimpíadas para o Rio será sua consolidação como polo turístico internacional, muito mais do que a do Brasil como potência esportiva. Mauro Osório, especialista em economia fluminense, destaca que os empregos formais diretos em hotéis e pousadas na cidade, mesmo após os investimentos para as Olimpíadas, representam apenas 1% dos empregos da cidade (Rais/MTE).
O complexo do turismo, entretenimento, cultura e mídia fluminense precisa desse salto de qualidade para ocupar o lugar que merece numa economia arrasada pela recessão e a “doença do petróleo”. Mas essa é outra discussão. O importante agora é o Brasil competir.